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Cerco mergulha palestinos na pobreza
Desgoverno e asfixia econômica já levaram o primeiro-ministro Ismail Haniyeh a levantar a possibilidade de dissolver a ANP
Racionamento de alimentos e eletricidade em Gaza se tornou rotineiro; salários dos funcionários estão atrasados há sete meses
MARCELO NINIO
DA REDAÇÃO
A guerra entre Israel e o Hizbollah no Líbano ofuscou a grave crise que se aprofunda a cada
dia nos territórios palestinos. A
situação, que tornou-se crítica
com a chegada ao poder do grupo terrorista Hamas, nas eleições de janeiro, piorou depois
do seqüestro do soldado Gilad
Shalit, no fim de junho, que desencadeou uma ampla ofensiva
militar israelense na faixa de
Gaza e na Cisjordânia.
O desgoverno e a asfixia econômica chegaram a tal ponto
que o premiê Ismail Haniyeh,
membro do Hamas, disse ao
Parlamento que é preciso considerar a possibilidade de dissolver a Autoridade Nacional
Palestina (ANP) e entregar o
controle de Gaza e da Cisjordânia de volta ao comando militar
israelense. Foi a primeira vez
que um alto funcionário palestino tocou no assunto.
Criada em 1994 por um acordo de paz com Israel, a ANP foi
concebida para ser um governo
de transição até o estabelecimento do Estado palestino independente. Mas essa perspectiva tornou-se distante com a
eleição do Hamas.
A advertência de Haniyeh foi
motivada pela prisão do presidente do Parlamento, Aziz
Dweik, mais um dos vários políticos palestinos detidos por ligação com uma "entidade terrorista". Além de Dweik, estão
presos quatro membros do gabinete e 28 deputados do Hamas. Israel também congelou o
repasse dos US$ 60 milhões
mensais em impostos palestinos. Mais de 200 palestinos já
morreram na atual ofensiva.
Modelo sul-africano
A idéia de dissolver a ANP
não é nova, mas só agora ocupa
o centro do debate político palestino. Nos anos 90, um grupo
de intelectuais palestinos encabeçados por Edward Said defendeu a desobediência civil
contra a ocupação israelense. O
modelo eram os protestos antiapartheid que abriram caminho para a chegada ao poder da
maioria negra na África do Sul.
Com o governo palestino do
Hamas imobilizado pelo cerco
israelense e pelo boicote financeiro internacional, muitos palestinos passaram a apoiar a
iniciativa. "Precisamos simplesmente aceitar que estamos
sob regime militar", disse recentemente ao "Wall Street
Journal" o influente editor do
jornal palestino "Al-Hayat Al-Jadida", Hafez Barghouti. "Devemos recorrer à desobediência civil, queimar nossas carteiras de identidade e lutar até que
obtenhamos nossos direitos."
Com os salários dos servidores atrasados sete meses e o
bloqueio militar limitando o
acesso ao mercado de trabalho
israelense, principal fonte de
renda dos palestinos, a situação
é miserável. O "mecanismo
temporário" criado pela União
Européia para enviar ajuda aos
palestinos sem passar pelo Hamas fez chegar cerca de US$
135 milhões nos territórios nos
últimos dias. Mas, considerando-se que a despesa mínima da
ANP com salários chega a US$
100 milhões por mês, o mecanismo da UE é só um paliativo.
O racionamento de alimentos e eletricidade em Gaza tornou-se rotina. "Só temos 14 horas de eletricidade por dia, divididas em dois períodos. Sete
horas com e sete sem. Você pode imaginar os problemas causados por isso", diz Wael Alqarra, que trabalha para uma organização de direitos humanos na
Cidade de Gaza.
Se o movimento pela dissolução da ANP cresce, muitos palestinos ainda resistem à idéia,
por achar que ela só serve para
reforçar a tese do governo de
Israel de que não tem um parceiro para a paz. "Em vez de discutirmos o fim da ANP, nós deveríamos buscar meios de fortalecer nossas instituições", diz
Saeb Erekat, principal negociador palestino antes da vitória
do Hamas. "O público palestino
está cansado de saber que o
principal objetivo de Israel é
destruir a ANP."
Turbulências no governo palestino, porém, também têm
conseqüências indesejadas para Israel, que não tem a ganhar
com o caos e a radicalização nos
território vizinhos. Os planos
do premiê israelense, Ehud Olmert, de repetir na Cisjordânia
a retirada unilateral efetuada
por Ariel Sharon em 2005 em
Gaza também deverão ser revistos. O fim da ocupação israelense de Gaza, após 38 anos,
mostrou que a retirada, por si
só, não garante a estabilidade.
"A dissolução da ANP será
um duro golpe para os palestinos moderados, pois servirá como prova de que os canais pacíficos e políticos fracassaram
em promover a causa nacional
palestina", lembrou Dhalia
Shaham, analista do centro de
estudos israelense Reut, no jornal "Jerusalem Post". "Além
disso, o caos na ANP crescerá, e
os incentivos para um cessar-fogo desaparecerão."
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