São Paulo, quarta-feira, 27 de agosto de 2008

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comentário

Moscou seguiu o exemplo de Kosovo

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

O desmembramento do território de determinado país é por certo "violação às leis internacionais e uma ameaça à segurança" regional. O alerta poderia ter partido ontem do governo americano com relação à Geórgia. Mas foi feito em fevereiro último pelo chefe da diplomacia russa, Sergei Lavrov, referindo-se, é claro, a Kosovo.
Há muitas analogias entre Kosovo, que há seis meses se tornou independente da Sérvia com a ajuda dos Estados Unidos, e a Ossétia do Sul e a Abkházia, que também buscam a independência pelas mãos do Kremlin. Nenhum desses "países", e eis a primeira constatação, têm hoje viabilidade econômica.
E ainda: nenhum deles obteria certidão de nascimento no Conselho de Segurança da ONU, onde os vetos russo e americano, dependendo do caso, inviabilizariam a votação de um projeto de resolução. Foi, aliás, em nome da falta de uma chancela da ONU que o Brasil deixou de reconhecer Kosovo.
Há ainda a questão do reconhecimento internacional limitado. Kosovo rachou a União Européia. Países como Espanha, Grécia, Bulgária e Chipre temiam um precedente perigoso para seus atuais ou virtuais autonomistas internos. Não têm por isso embaixada em Kosovo.
Na época, a Rússia poderia teoricamente seguir o mesmo raciocínio, já que bem perto da Geórgia, no Cáucaso, há o caso da islâmica Tchetchênia.
Agora, o reconhecimento diplomático dos sul-ossetianos e abkházios será mais problemático. Moscou não tem mais a cortina de aliados incondicionais dos tempos da União Soviética. A China, que em geral se junta à diplomacia russa, tem um imenso rabo preso no Tibete.
Outra analogia entre os dois casos está na impossibilidade de russos e americanos deslocarem contingentes para socorrer seus aliados. No caso de Kosovo, a ligação entre a Sérvia e a Rússia é cultural e histórica -vem desde a proteção dos czares a um aliado eslavo e de religião ortodoxa, ameaçado pelo Império Otomano. Mas Moscou não cogitou acender nos Bálcãs o pavio de um portentoso conflito.
Em se tratando da Geórgia, está igualmente fora de questão uma intervenção direta dos Estados Unidos, já afundados no Iraque e no Afeganistão e que, de certo modo, instrumentalizaram aquele pequeno país do Cáucaso-ao insistirem em seu ingresso na Otan- para colocar a Rússia numa situação estrategicamente incômoda.
A independência de faz-de-conta da Ossétia do Sul e da Abkházia é uma reafirmação da capacitação do Kremlin de criar e alimentar esferas de influência. É a regra do jogo.


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