São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2011

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Presos por Gaddafi usavam 'ratos-correios'

Bilhetes eram amarrados por detentos aos animais para comunicação entre celas no presídio mais cruel de Gaddafi

Bombardeios da Otan e de rebeldes passam a se concentrar em Sirte, a cidade natal do ditador; Trípoli tem conflitos


Apu Gomes/Folhapress
Imagem do presídio de Abu Salim, em Trípoli, usado pelo regime de Gadadafi

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A TRÍPOLI

A celas estão com as portas abertas. Roupas e pertences dos presos se amontoam no chão. Há louça suja nas pias. O silêncio pesa.
Os 2.500 detidos desertaram na última quarta-feira, quando rebeldes invadiram o local, mataram guardas e libertaram todo mundo.
A fuga da prisão de Abu Salim encerra um dos capítulos mais tenebrosos da Líbia sob Muammar Gaddafi. Durante décadas, a masmorra foi o principal centro de prisão, tortura e execução de dissidentes políticos.
O local ficou tristemente famoso após o massacre de 1.200 detidos rebelados em 1996. O sumiço de boa parte dos corpos alimentou as mais diversas teorias. Uma delas diz que os cadáveres foram enfiados em galerias cavadas no solo da prisão.
Na tarde de ontem havia várias pessoas perambulando, perplexas, pelos pátios e prédios do complexo.
"Meu primo foi assassinado aqui após passar 14 anos preso", disse o dentista Tarek Farda, 32, enquanto caminhava sobre documentos oficiais espalhados pelo chão.
"O corpo nunca foi entregue à família", relata.
Um homem se aproxima e mostra uma lista de nomes com assinaturas e números de documento de identidade escrita em papel timbrado.
"É a lista dos funcionários da prisão, gente que trabalhava para o regime. Vamos entregar ao comando revolucionário [rebelde] para que essas pessoas sejam encontradas e julgadas", diz.
As celas têm colchões surrados e paredes cheias de mensagens escritas pelos presos, a maioria textos com conotação religiosa.
Algumas celas são enfeitadas com rótulos de garrafa de refrigerante pregados com durex, pontos de cor berrante no cinza predominante.
Também há cartões postais desbotados, com imagens de paisagens naturais.
No subsolo da diretoria da prisão, há salas com chão coberto de poeira, restos de pão e excremento de ratos. Não está claro se as salas recebiam presos.
Na ala reservada aos presos políticos tidos como perigosos, há buracos nas paredes que pareciam ser usados para a comunicação entre celas adjacentes.
Segundo o policial desertor Ramadan Rais, 42, o contato entre detidos também era feito com ratos-correios.
Os animais eram trancados durante dias em caixas de plástico até ficarem nervosos de fome. Os detidos recolhiam então toda a comida, deixando apenas um pedaço de queijo na cela para onde o rato correria uma vez solto, levando bilhetes amarrados no pescoço.
Na sala da diretoria, há uma carta em que um detento pergunta por que ainda não foi libertado mesmo após ser inocentado pelo juiz.


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