São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2006

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Argentina ensina peronismo a estrangeiros

Agência estatal de notícias cria curso para jornalistas e diplomatas entenderem significado de Perón

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

O governo do presidente Néstor Kirchner, que pertence ao Partido Justicialista (peronista), montou um curso para ensinar o que é o peronismo a diplomatas e a jornalistas estrangeiros que trabalham na Argentina. O curso é oferecido gratuitamente pela Télam, a agência oficial de notícias. É a primeira vez que o órgão promove cursos do tipo. A Folha assistiu na última quarta-feira à primeira das quatro aulas, de duas horas cada uma.
O programa do curso "Peronismo para Estrangeiros" começa com o cenário que possibilitou a chegada ao poder do general Juan Domingo Perón (1895-1974) e vai até o golpe militar que o derrubou em 1955. Por decisão dos organizadores, não será ensinado o último mandato de Perón, que foi três vezes presidente da Argentina, nem os desdobramentos do peronismo da morte do general em 1974 até os dias de hoje. Assim, ficarão de fora a guinada política feita pelo próprio Perón e as forças que o sucederam, como o menemismo, o duhaldismo e o kirchnerismo.
A professora escolhida foi a historiadora Patricia Berrotarán, diretora do curso de ciências sociais da Universidade Nacional de Quilmes, instituição pública que abriu as portas em 1991, durante o governo do presidente Carlos Menem.
"Não há uma visão definitiva [do que seja o peronismo] e também não serei eu a dá-la. É um fenômeno político muito complexo", disse Berrotarán. Ela afirmou que a definição do período histórico abordado foi da agência oficial e que seria "difícil explicar" o terceiro mandato de Perón e o que ocorreu depois com o peronismo. "Seria uma outra coisa."
Alejandro Horowitz, professor da UBA (Universidade de Buenos Aires) e autor do livro "Os Quatro Peronismos" elogiou a promoção de um curso sobre o tema, mas criticou o programa. "Está mal colocado. É desperdiçar uma oportunidade única", afirmou. "Mas, claro, explicar o terceiro mandato seria contar que o programa de Perón em 1973 trazia propostas que estão distantes das de Kirchner."
Autor de dois volumes intitulados "História do Peronismo", o jornalista Hugo Gambini é bem mais duro. "Uma agência oficial de noticias não tem que fazer um curso sobre uma tendência politica. Eu desconfio dessas coisas", declarou. "O peronismo, quando está no poder, faz uma confusão entre partido e Estado. O curso é só uma prova disso."
O sociólogo Ricardo Sidicaro, também professor da UBA e autor do livro "Os Três Peronismos", elogia a professora escolhida, que foi sua orientanda, e defende a iniciativa. "É bom que façam isso. E falar do peronismo fundador é uma escolha. Hoje, há muitos peronismos."
Segundo Martín Granovsky, presidente da Télam, "a idéia é dar ferramentas de análise aos estrangeiros". Ele diz que era grande a demanda, sobretudo de jornalistas, para "entender melhor o peronismo".
E Kirchner, é peronista? Walter Curia, jornalista do "Clarín" e autor de uma biografia de Kirchner chamada "O Último Peronista" diz ter ouvido do presidente que ele não era peronista "havia muito tempo". "Kirchner não é peronista nem não-peronista. Joga todo o tempo com essa incógnita."


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