São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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Curdistão vive misto de euforia e medo

Em Diyarbakir, na Turquia, população teme maior violência e repressão com escalada de Ancara, mas também experimenta união

Preocupação primeira é a de que conflito com Iraque afete o intenso comércio fronteiriço, que já começa a sofrer impacto da crise

Fatih Saribas-15.out.2007/Reuters
Crianças curdas observam a rua desde sua casa em Sirnak, Curdistão turco; tensão acirrada pelo PKK amplia incerteza econômica

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DIYARBAKIR (TURQUIA)

Abdullah teme que os parentes sejam linchados em Istambul. Yakub está preocupado com os negócios. E Emine, num raciocínio tão otimista quanto criativo, acha que a crise atual pode acabar sendo benéfica para os curdos da Turquia.
Em Diyarbakir, considerada a capital curda da Turquia, os humores da população têm oscilado ao sabor dos acontecimentos na fronteira com o Iraque. Desde a intensificação dos enfrentamentos entre a Turquia e os guerrilheiros do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), há cerca de duas semanas, prevalece um misto de tensa expectativa e resignação, traços típicos de um povo que parece já ter se conformado em não ser dono de seu destino.
"No começo a sensação foi de excitação, como se as pessoas vivessem uma estranha euforia", diz a jornalista Emine, 27. Como a maioria dos curdos, não diz o sobrenome por medo de represálias das autoridades turcas. "Após tantos anos de paralisia política e violência, queríamos que alguma coisa acontecesse. Qualquer coisa."
A atmosfera começou a mudar quando o Parlamento turco aprovou, no dia 17, uma moção autorizando o Exército a fazer incursões no norte do Iraque, onde afirmam que estão as bases dos combatentes do PKK. De euforia, a sensação se transformou em apreensão.
Uma guerra no Iraque poria frente a frente, no campo de batalha, o país em que vivem e o Curdistão iraquiano, pelo qual nutrem indisfarçável simpatia e certa inveja. Afinal, no Iraque os curdos têm o que eles mais querem, autonomia -além de petróleo e apoio dos EUA.
A escalada de violência inflamou o nacionalismo turco. Milhares marcharam pelo país, pedindo ação contra os "terroristas curdos". Comitês do Partido Popular Democrático, maior agremiação curda legal, foram incendiados. Agressões a curdos começaram a espocar em várias partes da Turquia.
A temperatura aumentou com a morte de 12 soldados turcos em um ataque do PKK no domingo. "Para muitos turcos nós somos todos terroristas", diz Abdullah, 43, funcionário da Prefeitura de Diyarbakir. "Muitos parentes e amigos que vivem em cidades do oeste, como Istambul, estão evitando até falar em público para que não percebam seu sotaque curdo. Qualquer discussão pode acabar em linchamento."

Incerteza econômica
Exagero ou não, a verdade é que muitos curdos do sudeste da Turquia, região tradicionalmente habitada pela etnia, estão preocupados com o que pode acontecer em outras partes do país se o nacionalismo se exacerbar. "O verdadeiro Curdistão não está aqui, mas em Istambul, onde vivem 3 milhões de curdos, a maioria de subempregos", diz Mehmet Akin, número dois do PPD na Província de Diyarbakir, onde a população não chega a metade disso.
O medo da violência é acompanhado da incerteza econômica. Muitos curdos dependem do comércio na fronteira com o Iraque para seu ganha-pão. Um acordo que permite que cidadãos turcos permaneçam até 24 horas do outro lado da fronteira sem visto nem imposto fez da compra e venda de produtos básicos, como gasolina, farinha e açúcar, meio de vida.
Com o início das tensões, a permissão foi revogada. "Um litro de gasolina custa um sexto no Iraque do que aqui, por isso muita gente ia e voltava no mesmo dia cheia de galões", conta Yakub, 32, cuja firma de transporte também tem sofrido. "Costumava levar muita gente para a fronteira. Agora o movimento é quase zero."
Com toda a incerteza sobre os curdos na Turquia, Emine consegue manter o otimismo do início da crise. "A reação exagerada do governo turco está criando consenso e união nacional entre os curdos dos dois lados da fronteira", diz ela, enquanto toma chá num dos cafés freqüentados por intelectuais na Rua dos Artistas, centro de Diyarbakir. "É mais do que tivemos em muitos anos."


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