São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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EUA adiam lei sobre genocídio armênio

Ação enfurece armênios da diáspora; "política americana é hipócrita", diz cineasta Carla Garapedian

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Com a ameaça de retirar o apoio à Casa Branca na Guerra do Iraque, a Turquia venceu, ao menos por enquanto, a queda-de-braço com o Congresso americano: a Câmara dos Representantes dos EUA cedeu e adiou na última quinta-feira a votação de uma lei para o reconhecimento do genocídio armênio, cometido por turcos otomanos na Primeira Guerra. A ação enfureceu ativistas armênios espalhados pelo mundo, que encabeçam, muito à frente do governo da Armênia, a luta pelo reconhecimento.
"A questão não é só sobre a Turquia. É sobre a política externa americana. Os EUA são hipócritas com o genocídio armênio, e o não-reconhecimento permite que atos semelhantes continuem a ocorrer", afirmou à Folha a jornalista e cineasta Carla Garapedian. Descendente de armênios em fuga da fúria turco-otomana do começo do século passado, a armênio-americana Garapedian trouxe à 31ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo "Screamers", que define como "um filme político sobre a negação" [do genocídio].
Há 2,9 milhões de pessoas na Armênia e cerca de 8 milhões de armênios vivendo em outros países -a maioria emigrou na diáspora, em fuga da matança generalizada do Império Otomano. É esta maioria no exterior a maior responsável por divulgar o extermínio intencional de 1,5 milhão de armênios entre 1915 e 1923.
A versão turca diz que houve cerca de 300 mil mortes como conseqüência de doenças e guerras à época da desintegração do Império Otomano. A Turquia nem discute o tema -pelo artigo 301 da Constituição, quem citar o genocídio e "ofender a nação" pode ser processado, como ocorreu com o vencedor do Nobel de Literatura de 2006, Orhan Pamuk.

Sem prioridade
A revolta dos armênios da diáspora, porém, é pouco refletida no governo de seu Estado-nação. Segundo o historiador armênio-libanês Ara Sanjian, que dirige o Centro de Estudos Armênios (CARP, na sigla em inglês) na Universidade de Michigan (EUA), não há, historicamente, envolvimento da Armênia com a questão do reconhecimento. "Os governos armênios desde a independência (1991) não impõem o reconhecimento como precondição para a regularização das relações com a Turquia [que fechou a fronteira e não tem relações bilaterais com Ierevan]", afirma.
O fundador do CARP, Dennis Papazian, vai além: Ierevan "está mais interessado em temas atuais de desenvolvimento. Só usam o genocídio para atrair atenção para as disputas com Turquia e Azerbaijão."
Tanto Sanjian quanto Papazian ressalvam, porém, que "individualmente os líderes vêem como positivas ações pelo reconhecimento".
Assim como no governo, o reconhecimento também não parece ser precondição para a população local quando estão em xeque as relações com a Turquia. Em 2006, um levantamento do Centro de Pesquisa do Cáucaso apontou que 58,9% dos armênios apóiam atitudes de cooperação política com a Turquia, e 52,7% apóiam a cooperação econômica.
E há na Armênia quem questione o foco dos armênios da diáspora no reconhecimento. "As estruturas organizacionais da diáspora colocam a questão acima até dos problemas atuais de segurança da Armênia", afirma Armen Ayvazyan, diretor do Centro de Pesquisas Estratégicas Ararat, em Ierevan. Ainda assim, Ayvazyan, que foi assistente da Presidência da Armênia entre 1992 e 1994, não diminui a importância do reconhecimento para o povo do país. "Quando se vive ao lado da Turquia, que bloqueia e chantageia a Armênia diariamente, não se pode ser menos atento ao genocídio do que a terceira e quarta geração de armênios da diáspora que vivem em Londres, Paris e Nova York."


DOCUMENTÁRIO - "Screamers"
Direção e roteiro: Carla Garapedian; música: System of a Down; exibições: hoje às 19h10 na Cinemateca e amanhã às 13h30 no Espaço Unibanco de Cinema 3



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