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IGREJA
Pesquisador alemão revela que Vaticano liberou livro de Hitler sob o argumento de que autoridade estatal "vem de Deus"
Meandros da censura católica vão à internet
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
Mantidos em sigilo ao longo de
quatro séculos, segredos do Index
Librorum Prohibitorum (Índice
de Livros Proibidos) da Igreja Católica -a mais ampla iniciativa
censora do Vaticano desde a Inquisição- estão prestes a ser revelados na internet graças à iniciativa de pesquisadores alemães.
Liderado pelo professor Hubert
Wolf, da Universidade de Münster, um time de historiadores vasculha documentos recém-publicados para revelar os livros analisados e o debate na igreja sobre
por que proibi-los ou liberá-los. A
idéia é colocar essas informações
numa base de dados on-line a
partir de 2005. O endereço eletrônico ainda não foi divulgado.
"A censura não funcionava como um "big brother". Havia fortes
discussões, opiniões de especialistas, opiniões contrárias de outros
especialistas, brigas e intrigas -
tudo por causa da questão sobre
se determinado livro deveria ser
indexado ou não", disse por e-mail o professor Wolf à Folha.
"Por mais de 400 anos, Roma
monitorou todo o mercado editorial e revisou as publicações mais
importantes", afirmou Wolf. "Até
hoje, sabíamos apenas os livros
que foram proibidos e podiam ser
encontrados no Index. Ninguém
sabia nada sobre os livros aprovados na revisão, já que as liberações nunca eram publicadas."
Os pesquisadores descobriram,
por exemplo, que os censores papais travaram debates acalorados
sobre o livro "A Cabana do Pai
Tomás", da americana Harriet
Beecher Stowe, publicado pela
primeira vez em 1852. O primeiro
especialista consultado sugeriu a
proibição da obra, já que havia sido escrita por uma mulher protestante e, além disso, pregava
idéias abolicionistas, consideradas revolucionárias.
"Isso levou a brigas ferrenhas na
congregação", diz Wolf. Um segundo especialista foi chamado e
defendeu a liberação do livro com
base na teologia da criação, segundo a qual todos os seres humanos -incluindo escravos negros- são filhos de Deus.
"O papa concordou com a segunda opinião, e o livro não foi
proibido", conta o pesquisador.
Outro livro liberado foi o polêmico "Minha luta", de Adolf Hitler. "Eles argumentaram que Hitler havia sido legitimamente eleito e então aplicaram a carta de são
Paulo aos romanos, capítulo 13,
que diz que toda autoridade estatal vem de Deus e deve ser obedecida", explica Wolf.
O Índice de Livros Proibidos começou em 1542 numa tentativa da
Inquisição de combater a onda de
livros produzida pela Reforma
Protestante. A censura seguiu até
1967, tendo sido o filósofo francês
Jean-Paul Sartre (1905-1980) um
dos últimos alvos.
"A doutrina da Igreja Católica
tinha de ser protegida, e católicos
tinham de evitar uma "infecção"
pelo vírus do protestantismo escondido nos livros", diz Wolf.
Obras consideradas perigosas
podiam ser denunciadas ao Vaticano por uma autoridade da igreja, como um bispo, e também por
leigos. "Grande importância era
dada a relatos enviados por um
chefe de Estado católico por via
diplomática", diz o professor.
A decisão final sempre cabia ao
papa, que divulgava um decreto
com as proibições. A cada década,
uma lista oficial era compilada e
republicada. Católicos não podiam ler ou possuir os livros indexados, e editoras católicas não tinham permissão para imprimi-los. A pena para quem desobedecesse a norma era a excomunhão.
Apesar de o foco inicial ter sido
o protestantismo, a censura de
Roma não ficou restrita a livros
teológicos ou filosóficos. "A intenção era controlar o mercado
de livros totalmente", diz Wolf.
Com o tempo, a ênfase mudou
para livros feitos por católicos
que, na visão da igreja, desviavam
da verdadeira doutrina.
Os pesquisadores se surpreenderam ao descobrir que, apesar
de a Inquisição ter processado
Galileu no século 17 por afirmar
que a Terra girava ao redor do Sol,
o Vaticano nem chegou a discutir
a "Origem das Espécies" (1859),
de Charles Darwin, tampouco as
obras de Sigmund Freud.
"A avaliação dos arquivos mostra que a igreja tolerava hipóteses
das ciências naturais na maioria
dos casos e só interferia quando
havia uma contradição entre as
visões científicas e a verdade dogmática ou bíblica", afirma Wolf.
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