São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 1997.




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XENOFOBIA NA FRANÇA
Líder da extrema direita recruta veteranos de guerra para espancar militantes anti-racismo
'Tropa de choque' de Le Pen ataca rivais

RENAUD DELY
do "Libération"

O ex-militar "Dominique" pertenceu ao Departamento de Proteção e Segurança (DPS) da Frente Nacional (FN, partido de extrema direita da França, de discurso xenófobo), tendo integrado seu "grupo de choque" extra-oficial.
Descrevendo as tarefas das quais era incumbido pela direção do DPS, fala em "operações com força de choque" e de "missões punitivas" empreendidas pelas "equipes de intervenção". Por medo de represálias, prefere manter o anonimato, escondendo sua identidade por trás de um pseudônimo.
Desde o início do ano, os incidentes envolvendo o DPS se multiplicaram. Confronto ilegal com manifestantes anti-FN em Montceau-les-Mines em outubro de 1996, controles de identidade abusivos cometidos por três integrantes do DPS em Estrasburgo em março, integrantes condenados a um ano de prisão com sursis por "detenções ilegais" e "usurpação da função da polícia judiciária", entre outros casos. A seguir, a confissão de "Dominique":

Pergunta - Como o senhor entrou no DPS?
Dominique -
Voto na Frente Nacional há muito tempo. Eu estava desempregado e conheci um sujeito da FN num subúrbio de Paris. Ele me convenceu a entrar como simples integrante do DPS. Como eu já tinha servido o Exército, me colocaram num grupo um pouco especial: uma equipe de intervenção ligeira. A equipe da região parisiense tem apenas 25 integrantes, todos antigos boinas vermelhas ou boinas verdes (ex-pára-quedistas ou legionários). Somos "batedores". Não temos medo de nada e precisamos estar dispostos a bater onde e quando for preciso. Ao todo, deve haver um pouco mais de 200 de nós em toda a França.
Pergunta - Qual é sua missão?
Dominique -
Todos nós somos ex-combatentes aptos a saltar de pára-quedas e atirar. A maioria já participou em conflitos no Chade, na África Central ou no Líbano. Há muitos paranóicos na Frente Nacional -as pessoas vivem nos dizendo que temos que estar a postos 24 horas por dia em caso de subversão interna e que temos de ser capazes de derrubar o governo em 48 horas se Le Pen for assassinado. O outro fantasma é a Betar (braço francês dos movimentos jovens da direita israelense). Estamos nos preparando para entrar em "guerra" com ela. Entre nós, nos divertimos adotando o apelido de "Bombeiros do Reich" e nos cumprimentamos com "Sieg Heil!".
Pergunta - Vocês formam uma milícia de verdade?
Dominique -
Sim, somos um exército paralelo, uma pequena legião a serviço de um partido. Somos o terceiro olho da FN. E fazemos operações um tanto quanto especiais.
Pergunta - Como assim?
Dominique -
Não somos os velhos do DPS oficial que revistam as pessoas na chegada às reuniões públicas. Esses são militantes, não brutamontes como nós. Às vezes também fazemos revistas, usando a roupa que chamamos de uniforme nº 1: blazer azul marinho, calça cinza, gravata. Mas também temos um uniforme nº 2, para a proteção "mais próxima": de dia, um colete claro por cima; à noite, tudo preto. É para passarmos despercebidos e nos misturarmos aos policiais.
Pergunta - Qual é seu papel?
Dominique -
Nos misturar aos grupos de manifestantes anti-FN, identificar os instigadores e espancá-los. Agimos discretamente, não às claras. Chegamos às manifestações em grupos de três ou quatro, agarramos os líderes, os levamos para um lado, damos umas porradas e vamos embora.
Pergunta - Como vocês foram recrutados?
Dominique -
Ao acaso, nos bares frequentado pelos militantes, mas também nos asilos para sem-teto. Entre os mendigos se encontram muitos ex-boinas vermelhas ou verdes saídos da cadeia. Eles lhe prometem grana, um trabalho -na realidade, o exploram. 80% dos ex-combatentes que são recrutados são sujeitos que saíram da prisão.
Pergunta - Vocês passaram por um treinamento específico?
Dominique -
Temos uma sala de esportes no "Paquebot" (apelido dado à sede da FN em Saint-Cloud), totalmente equipada: sacos de areia, luvas de boxe, aparelhos de musculação. Também há grupos que treinam tiro nos bosques.
Pergunta - E o resto do material?
REPOSTA - Temos "Golias" -são minibombas de gás lacrimogêneo-, cassetetes telescópicos -que cabem no bolso do blazer-, luvas de chumbo que pesam 400 gramas e coletes salva-vidas. Mais o equipamento usado nas operações das forças de choque.
Pergunta - O que são essas operações?
Dominique -
Nos casos em que há problemas com manifestantes adversários, a gente ataca e limpa o terreno. Para isso temos capacetes, escudos e extintores que atiram gás lacrimogêneo a uma distância de dez metros. A gente coloca máscaras de gás e trabalha em duplas: o primeiro carrega o extintor e o segundo, atrás, serve de apoio. Depois disso vem a equipe de choque, que distribui porradas. Também temos "flash-guns", pistolas que disparam balas de borracha. Recebemos por walkie-talkie ordens tipo "Permaneçam em seus lugares", "Atenção, manifestantes à vista" ou "Atacar!". A idéia é: rapidez, eficiência e, sobretudo, sumir antes que cheguem jornalistas.
Pergunta - Isso quer dizer o quê?
Dominique -
Me disseram: "Você sempre vai poder contar com um advogado". Se um de nós é preso, liga para o "Paquebot' ', um advogado chega lá e lhe diz o que tem de falar. É melhor que seja um eleito o acusado, porque eles são mais difíceis de atingir do que os membros do DPS. A única ressalva é que não podemos nos deixar fotografar por jornalistas. Quem faz isso tem de passar pelo conselho de disciplina.
Pergunta - A FN se informa sobre os jornalistas?
Dominique -
Claro. Um fotógrafo fotografa todos os jornalistas novos que vêm às coletivas de imprensa. A FN se informa sobre eles por meio de seu número de segurança social ou pela companhia telefônica, e faz uma ficha no computador em que constam nome, endereço, foto. No "Paquebot" há uma câmera de vídeo em cima da entrada da imprensa. Temos de nos precaver contra alguns jornais, principalmente o "Le Canard Enchainé" e o "Libération", que são os dois piores. Também realizamos missões punitivas.
Pergunta - O que é isso?
Dominique - Quando um de nossos políticos eleitos é ameaçado, a gente pode enviar um grupo para protegê-lo, ou para vingança no caso de ele ter sido agredido. Por exemplo, 50 membros do DPS deveriam ir a Bourges para massacrar um conjunto habitacional cujos moradores vaiaram um de nossos eleitos. Mas a missão foi cancelada. Já em Rouen, depois da destruição de uma sede da FN, uma equipe parisiense espancou os caras suspeitos de serem os autores. Durante as campanhas eleitorais também temos guardas na sede do FN, no escritório de Le Pen em Montretout e na casa de sua mulher, Jany. Ela é sempre muito correta e nos oferece sanduíches.
Pergunta - Quais são suas relações com a polícia?
Dominique -
Nas manifestações, ótimas -nunca tivemos problemas com ela. Todos eles já estão fartos de levarem socos na cara de jovens imigrantes árabes e ficam muito felizes ao cooperar conosco. Em Estrasburgo, não parávamos de distribuir nossos "buttons" aos homens da polícia.


Tradução de Clara Allain




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