São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

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IRAQUE OCUPADO

Objetivo será analisar como deve ser a transferência de poder; analistas vêem fortalecimento da organização

ONU anuncia envio de missão ao Iraque

DA REDAÇÃO

O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, anunciou ontem que a entidade enviará uma missão ao Iraque para analisar qual a melhor maneira de transmitir aos iraquianos o poder no país, atualmente na mão da coalizão liderada pelos EUA. A equipe também verificará se é possível realizar eleições antes de junho.
O anúncio do retorno de uma missão da ONU ocorre três meses depois de a entidade ter retirado todo o seu pessoal do Iraque em outubro, em razão de uma série de ataques à entidade, entre os quais o que matou o enviado especial da organização, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello.
O objetivo da missão é superar as divergências entre os americanos e os xiitas -que representam 60% da população.
Os EUA argumentam que, devido à falta de segurança e a problemas estruturais no Iraque, é impossível convocar eleições antes do meio do ano e descartam um pleito direto. Para Washington, o ideal seria um modelo no qual todos os grupos étnicos e religiosos estivessem presentes no governo.
Já o aiatolá Ali al Sistani, principal clérigo xiita do Iraque, quer a convocação de eleições diretas o mais rápido possível -nas quais os xiitas seriam favorecidos.
Na semana passada, 100 mil xiitas saíram às ruas pedindo a convocação de eleições diretas.
Em novembro, o Conselho de Governo Iraquiano e a Autoridade Provisória da Coalizão aprovaram o cronograma, que prevê a entrega do poder a um governo interino no próximo dia 30 de junho. O mecanismo de escolha desse governo -eleições diretas ou indiretas, voto nacional ou regional- é o cerne do debate.
O problema é que, com 24,6 milhões de habitantes, o Iraque é um país com uma conflituosa divisão étnica e religiosa, uma política dominada por líderes tribais e sem nenhuma cultura democrática.
Lakhdar Brahimi, que deixou na semana passado o cargo de enviado da ONU para o Afeganistão e assumiu o posto de conselheiro de Annan, afirmou que eleições prematuras no Iraque poderiam gerar mais prejuízos do que benefícios, pois podem acentuar as divisões no país.
A equipe da ONU será enviada assim que os EUA derem garantias de segurança para a missão.
A decisão de Annan de enviar a equipe da ONU para o Iraque se deveu a requerimento feito pela Autoridade Provisória da Coalizão no Iraque e do Conselho de Governo Iraquiano.

Fortalecimento
"O Iraque é um desafio grande demais para os EUA e para a coalizão. O fato de a ONU, baseada nas suas próprias convicções, voltar a ter um papel central no Iraque aumenta o prestígio da organização", avaliou Frederick Barton, do CSIS (Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais), baseado em Washington.
A eventual interferência da ONU também pode ser decisiva para apaziguar o clima de desconfiança da população local com relação à liderança americana no processo de reestruturação política. "A criação de um sistema representativo transparente era o papel que se esperava da coalizão liderada pelos EUA, mas, no final de tudo, os EUA reconhecem que a ONU é necessária. Nenhuma outra organização tem essa capacidade [de organizar eleições imparciais num cenário pós-guerra]", disse Joe Siegle, do Council of Foreign Relations.
Desde a ocupação americana no Iraque, a tônica do discurso do secretário-geral Kofi Annan tem sido a defesa da urgência da transferência de poder para os iraquianos. Os analistas dizem, porém, que isso não significa que a ONU alinhou-se a Al Sistani.
"Não acho possível a realização de eleições abrangentes neste semestre. As eleições precisam ser transparentes e não podem pender para nenhum dos lados ou todo processo de reconstrução pode se desintegrar", diz Siegle.

Bush
O presidente dos EUA, George W. Bush, defendeu ontem a decisão de invadir o Iraque, apesar das conclusões do ex-chefe de inspeções dos EUA David Kay de que não havia armas de destruição em massa no país.

França
O subsecretário de Estado americano para Comércio Exterior, Grant Alonas, disse ontem a autoridades francesas que empresas da França poderão participar da reconstrução do Iraque, segundo disse um porta-voz do Ministério do Comércio Exterior francês.


Com Cíntia Cardoso, de Nova York, e agências internacionais


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