São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

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SOB NOVA DIREÇÃO / MUDANÇA DE TOM

EUA não são seus inimigos, diz Obama a muçulmanos

Presidente escolhe emissora de língua árabe para dar sua primeira entrevista na Casa Branca

Em ruptura com retórica do antecessor, democrata diz à Al Arabiya que função maior de seu enviado ao Oriente Médio será a de "ouvir"

Alex Wong/Getty Images/France Presse
Obama fala com jornalistas no Capitólio, onde foi ontem para debater com republicanos apoio a medidas de estímulo econômico

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Num gesto simbolicamente importante, Barack Obama escolheu a emissora Al Arabiya, de língua árabe e voltada para a comunidade muçulmana, para dar sua primeira entrevista exclusiva como presidente na Casa Branca. Fez isso momentos antes de seu novo enviado especial ao Oriente Médio, George Mitchell, partir em sua primeira missão de paz à região.
O tom da conversa foi conciliatório, uma ruptura em relação ao discurso belicoso de seu antecessor, George W. Bush.
"Meu trabalho com o mundo muçulmano é comunicar que os americanos não são seus inimigos", disse Obama, que confirmou que falará à comunidade a partir de uma capital muçulmana, embora tenha se recusado a dizer qual e quando.
Sobre o Irã, disse que o país apoiou organizações terroristas "no passado" -Bush afirmava que Teerã o faz no presente. Sobre Israel, afirmou que não deixará de ser um aliado forte dos EUA, mas que o país está disposto a fazer sacrifícios e que ele espera a criação de um Estado palestino, embora tenha se recusado a citar prazo. Disse ainda que sua principal recomendação a Mitchell foi a de ouvir, "porque com demasiada frequência os EUA começam por ditar".
Bush, cuja primeira entrevista no cargo foi à conservadora FoxNews, havia falado à rede em 2004, após o escândalo da prisão iraquiana de Abu Ghraib, e em 2007, mas o teor das conversas foi outro. Ao escolher a emissora árabe para sua primeira entrevista entre milhares de veículos de comunicação locais e internacionais, Obama reforça o recado de mudança de rumo na chamada "guerra ao terror".
Na entrevista, Obama chegou até a comentar sua relação familiar com os muçulmanos, tabu durante a campanha -em um dos últimos comícios, duas muçulmanas que vestiam burcas na arquibancada atrás do palco em que o então candidato falaria foram retiradas para que não aparecessem na TV.
"Tenho muçulmanos em minha família", disse o presidente, cujo nome do meio é Hussein, referindo-se a parte da família de seu pai e de seu padrasto que seguem a religião -Obama é cristão. "Já vivi em países muçulmanos", completou, sobre o fato de ter passado parte da infância na Indonésia.

Mensagem
A escolha da Al Arabiya é política. A emissora, criada em 2003, tem menos penetração que a Al Jazeera, mas é considerada mais moderada que sua rival (leia texto abaixo). Põe em dúvida ainda o futuro da Al Hurra, baseada nos EUA, que entrou no ar em 2004 com dinheiro do governo Bush e nunca decolou de verdade.
"Se você vê os primeiros relatos vindos da região, há uma recepção realmente positiva à entrevista", disse Robert Wood, porta-voz interno do Departamento do Estado, quando indagado sobre a estratégia. "É um claro exemplo do desejo deste governo de alcançar o mundo muçulmano, e suspeito que veremos outras tentativas."
Feita na noite de anteontem na Sala dos Mapas da Casa Branca, a entrevista foi conduzida pelo veterano Hisham Melhem, chefe do escritório de Washington da emissora, que já entrevistou Bush, e não teve temas proibidos nem censura prévia ou posterior. Ainda assim, o jornalista não chegou a por Obama contra a parede.
Deixou para o final a discussão sobre o Iraque, por exemplo, e acabou não tendo tempo de fazer perguntas sobre o conflito. As emissoras noticiosas americanas trataram com discrição o "furo" (jargão jornalístico para informação dada antes pela concorrência), mesmo a Fox News. Em geral, a blogosfera seguiu o mesmo tom.


Folha Online
Assista a trechos da entrevista legendados
Leia a íntegra traduzida
www.folha.com.br/090272



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