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Nas escolas, crianças falam em medo e rancor
DO ENVIADO A GAZA
No desenho a lápis de Dina
Sharif, 9, duas crianças brincam sorridentes. No céu, o sol
observa três aviões soltarem
bombas sobre os pequenininhos. A cena não foi inventada.
"Eu vi." Os cinco meninos jogavam futebol, a cem metros de
onde estava. Depois do estrondo, ela correu para casa, assustada, até abraçar a mãe e contar
o que tinha visto. Os meninos
morreram? "Hum", responde,
com um murmúrio. Dina os conhecia de vista, mas não lembra
os nomes. Só sabe que estavam
no jardim de infância e que jogavam bola quando morreram.
Na volta às aulas após o fim
da ofensiva militar de Israel na
faixa de Gaza, nesta semana, a
psicóloga Monari Lubad, da escola da UNRWA (agência humanitária da ONU para os refugiados palestinos) em Beit Lahyia, pediu às alunas que desenhassem o que quisessem.
Das dezenas de trabalhos da
turma, todos retratam a guerra.
São foguetes entrando em casas e tocando pessoas, feridos
em macas, com aviões sobre
suas cabeças, ambulâncias, e
um jato que despeja bombas
sobre três meninas pulando
corda. As escolas têm usado os
primeiros dias para dar apoio
psicológico aos alunos.
Para Dina, os ataques ocorreram porque o Hamas lançou foguetes contra Israel e "porque
os judeus não gostam dos palestinos nem das crianças palestinas". Ela se pergunta, porém, por que militares mataram crianças e civis e atiraram
em ambulâncias. Quer ser médica e tratar dos "mártires".
A colega Iara Zen, 9, veste um
uniforme marrom, semelhante
a uma farda militar, com a bandeira palestina, e um lenço
branco no pescoço. "Quero defender meu país quando crescer. Defendemos nossa terra
natal com a educação", diz Iara.
Dos 1.200 alunos da escola da
UNRWA em Beit Lahyia, uma
das três bombardeadas, duas
meninas, de 7 e 10 anos, morreram. Duas crianças perderam
um dos pais, nove tiveram o pai
gravemente ferido, e duas, a
mãe; as mães de 18 se feriram;
sete perderam irmãos. Quase
20% (230) tiveram a casa danificada, e a moradia de 35 foi
completamente destruída.
Alvo
Abrigo de desalojados pelos
22 dias de ofensiva israelense, a
escola foi atingida duas vezes.
Quatro pessoas de uma família
morreram num ataque. No outro, os funcionários dizem que
uma sala foi incendiada por fósforo branco -composto cujo
uso em áreas civis é vedado pela
legislação internacional, as
quais Israel afirma ter seguido.
O impacto da guerra causa
medo constante, angústia, pesadelos, dificuldade de concentração e de aprendizagem, depressão ou agressividade. As
crianças querem ficar perto da
mãe, e muitas passam a fazer
xixi na cama. "Elas sofrem muito. É difícil entender neste momento, no futuro vão sofrer
mais", diz a psicóloga Monari.
No pátio do colégio da UNRWA em Jabalyia, os meninos
em fila para ir embora levam
cinco coroas de flores representando os colegas que morreram "como mártires". Na vizinhança, foram 45. Para Mahmoud Afana, 14, que perdeu
uma tia e um primo nos ataques, Israel é "um país terrorista". Já o grupo extremista Hamas, diz, defende os palestinos
e resiste, "porque estão ocupando nossa terra".
Na casa dos avós, Maysa Abu
Jabal, 14, fazia desenhos. Vários foram coloridos de vermelho, representando o sangue
dos palestinos, diz. Para ela, Israel atacou porque queria destruir o Hamas e sua liderança.
"Queriam alvejar o Hamas,
mas acho que também queriam
deixar todos com medo, para
não lutar de novo. Um dia, Alá
vai se vingar pelo que fizeram
com nosso povo. O Corão diz
que Alá destrói todas as pessoas
que mataram profetas. Não sei
se será com uma tempestade
forte, se o mar vai cobrir Israel,
mas acredito que Alá vá se vingar", disse ela, que estuda na escola Mustafa Hafaz, mantida
pelo governo de Gaza, hoje nas
mãos do grupo islâmico.
(RG)
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