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HAITI EM RUÍNAS
Governo banca êxodo sem volta da capital
Saída em massa de habitantes alivia a normalmente congestionada e agora praticamente sem empregos Porto Príncipe
Autoridades reconhecem que estratégia é paliativa e que é preciso investimento na infraestrutura do interior
para manter a população lá
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO PRÍNCIPE
Num intervalo de apenas
duas semanas desde o terremoto, quase 1 em cada 10 habitantes de Porto Príncipe abandonou a cidade rumo ao interior
do país. Muitos saíram com
ajuda do governo haitiano, que
vem acompanhada de um conselho: se puder, não volte mais.
A última estatística, divulgada anteontem, registra que 236
mil pessoas saíram da capital.
Antes do terremoto, a estimativa de população da cidade variava entre 2,5 milhões e 3 milhões (há anos não é feito um
censo no Haiti).
"Estamos dando ônibus de
graça para as pessoas que querem sair", confirma a ministra
da Informação, Marie Laurece
Lassegue. "Se puderem se estabelecer definitivamente fora da
capital, será bem melhor", afirmou ela à Folha.
De uma certa forma, a saída
em massa de habitantes é um
alívio para uma metrópole congestionada e agora praticamente sem empregos. Mas a política oficial do governo de incentivo à migração interna pode
apenas estar transferindo o
problema, alerta a ONU.
"Autoridades locais indicam
a necessidade de suporte médico, comida e segurança para essas áreas. Há também aumento
na criminalidade", diz um recente relatório da organização.
Há ainda o risco de aumento da
pressão sobre as parcas terras
próprias para agricultura.
A ministra admite que o problema existe. "Para que as pessoas fiquem no interior, é preciso haver um mínimo de infraestrutura. Estamos trabalhando com a ONU nisso."
Desde o início da semana, o
ritmo de saída de habitantes
caiu um pouco. Ainda assim, se
mantém em torno de mil pessoas por dia.
No local que passa pelo terminal de ônibus intermunicipal da capital, num movimentado cruzamento do centro,
ônibus saem apinhados a todo
momento.
"Minha casa rachou, então
não tenho mais onde ficar. Vou
para a casa de primos", diz Junior Duvivier, que viajava para
Cap Haitien, no extremo norte
do país.
Ele não quis esperar por uma
passagem de graça do governo.
Pagou por ela 500 gourdes
(cerca de US$ 10), um valor altíssimo para padrões locais,
ainda mais tendo em conta o
desconforto da viagem.
Os ônibus são relíquias americanas dos anos 50, muitos
pintados em cores psicodélicas.
Os bancos são rasgados, o ar-condicionado é inexistente, e o
sistema de suspensão há muito
é inapropriado para as péssimas estradas do país -cujo estado piorou após a tragédia.
Mas para Gerard Therini,
também passageiro do ônibus
para Cap Haitien, ficar na capital não é mais uma opção.
"Quero ficar fora pelo menos
uns dois meses. Preciso relaxar
após tanto estresse", diz ele,
que tinha uma loja de material
de construção que desabou.
A maioria dos que viajam fica
na casa de parentes, o que, pelo
menos por enquanto, não está
aumentando a demanda por
moradia em cidades do interior. Se essas pessoas decidirem permanecer fora da capital, no entanto, certamente haverá um problema habitacional
bem mais sério.
Motorista de um ônibus alaranjado (do tipo que se vê em
filmes levando crianças para a
escola no interior dos EUA),
Romulus Jean Renot decidiu
oferecer uma alternativa ao
programa oficial de doação de
passagens.
Desde o terremoto, seu veículo, ainda com o letreiro
"school bus" preservado, já fez
três viagens levando refugiados
para o interior. Foram duas para a cidade de Gonaives e uma
para Arcahaie, ambas no oeste
do país. Não cobrou um centavo de ninguém.
"Se eu estivesse na situação
de quem perdeu suas casas,
gostaria que fizessem o mesmo
por mim", afirma Renot.
Além dos que fogem da capital por ônibus, um grupo privilegiado de haitianos tenta deixar o país de avião. A fila em
frente à embaixada americana
de Porto Príncipe, que já era
grande antes do terremoto, aumentou ainda mais. A espera
por uma entrevista pode durar
12 horas.
"A situação não está boa para
uma criança ficar no país", afirma o advogado Louis, que enviou seu filho pequeno para
Connecticut (EUA) na semana
passada.
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