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MULTILATERALISMO
Para cientista político, luta contra o terrorismo só terá êxito se EUA contarem com ajuda
Americanos precisam de aliados, diz Nye
J. P. VELÁZQUEZ-GAZTELU
DO "EL PAÍS", EM MADRI
O cientista político Joseph Nye,
66, é um dos maiores críticos norte-americanos do unilateralismo
da administração Bush. Veterano
dos governos democratas de
Jimmy Carter e Bill Clinton, reitor
da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard,
ele esteve em Madri para promover seu livro mais recente, "The
Paradox of American Power" (O
Paradoxo do Poder Americano).
Na obra, Nye, contrariando o
pensamento dominante em Washington, diz que apenas com a
ajuda de aliados europeus é que
os EUA poderão ter sucesso na luta contra o terrorismo e enfrentar
futuras crises internacionais.
Pergunta - Como o senhor vê o
andamento da guerra, até agora?
Joseph Nye - Não há dúvida de
que os EUA e seus aliados vão ganhar a guerra. A questão mais importante é o que vai acontecer depois da guerra e se será possível
restaurar a legitimidade da posição norte-americana, perdida devido à maneira como começamos
o conflito.
E isso vai depender
de diversos fatores: de
a guerra ser relativamente curta e não causar grande número de
baixas civis e, em segundo lugar, de os
EUA pedirem ajuda à
ONU e a seus aliados
para reconstruírem o
Iraque, transformando o país numa questão de interesse internacional comum, e
não exclusivamente
americano.
Pergunta - Qual é o interesse dos EUA, a longo prazo? O que pretendem fazer depois da
guerra?
Nye - A administração disse que seu objetivo principal é afastar
do poder o presidente
Saddam Hussein, que
violou gravemente os
direitos humanos da
população iraquiana, e
impedi-lo de desenvolver armas de destruição em massa, coisa que ele claramente
está tentando fazer. O
objetivo de longo prazo é criar um Iraque
democrático e estável que funcione como um exemplo para o resto
do Oriente Médio de como um
país árabe é capaz de se democratizar.
O primeiro desses objetivos pode ser alcançado com relativa facilidade. O segundo será muito
mais difícil de realizar.
Pergunta - O senhor diz que, desde o Império Romano, nunca houve
outro país que tenha dominado os
demais tanto quanto os Estados
Unidos. Como Washington deveria
exercer esse papel dominante?
Nye - Há 12 anos escrevi "Bound
to Lead" (Fadado a Liderar), no
qual advertia que os EUA não estavam vivendo um declínio -pelo contrário, iam se transformar
no país dominante no mundo.
Meu novo livro adverte contra o
erro oposto, que é o triunfalismo.
O maior perigo que vejo hoje em
Washington é que há gente demais que pensa que, por sermos
tão poderosos em termos militares, podemos fazer o que bem entendermos. Se não formos capazes de perceber que o fato de sermos poderosos não significa que
possamos resolver os problemas
sozinhos, acho que os Estados
Unidos vão ter grandes problemas a longo prazo.
Pergunta - O poderio militar está
no centro do debate.
Nye - Em meu livro, uso a metáfora de um tabuleiro de xadrez
com três níveis. No nível militar,
ninguém desafiará os EUA, mas
economicamente a Europa contrabalança o poder americano.
No nível mais baixo, o das relações transnacionais num mundo
sem fronteiras, ninguém exerce
controle. A única maneira de resolver problemas transnacionais,
entre eles o terrorismo, é com a
cooperação entre os países. Por isso digo que o grande paradoxo do
poder norte-americano é que o
país mais forte desde Roma não
pode proteger seus próprios cidadãos, agindo sozinho.
Pergunta - O senhor concorda
com o ideólogo conservador Robert Kagan, para quem a Europa e
os EUA já deixaram de compartilhar a mesma visão de mundo?
Nye - Acho essa idéia exagerada.
A Europa e os EUA têm mais valores e interesses comuns do que
quaisquer outras duas partes do
mundo. Há algo de verdade no fato de que os europeus parecem estar mais preocupados em manter
a ilha de paz que criaram com tanto sucesso, e que talvez não estejam prestando atenção suficiente
ao fato de que, fora da Europa, em
lugares como o Oriente Médio ou
a Ásia, o mundo continua a ser
tradicional, no qual o uso da força
continua a ser essencial em algumas ocasiões.
Por outro lado, penso que os
americanos, especialmente os que
ocupam o Departamento de Defesa, não dão atenção suficiente
ao chamado poder moderado, ou
seja, a capacidade de atrair os outros, ao invés de repeli-los.
Há diferenças, como
diz Kagan, mas essas
diferenças precisam
ser vistas dentro de
uma perspectiva, dentro do contexto de
uma grande civilização comum.
Pergunta - Como a Europa pode contrabalançar as tendências unilateralistas dos EUA?
Nye - Parece que há
duas visões de como a
Europa pode moderar
a posição americana.
O ponto de vista francês parece ser o de
opor resistência para
equilibrar o poderio
dos EUA. Mas não
creio que tenha muito
êxito, porque não parece haver na Europa
muita disposição em
investir os recursos
-3% do PIB, por
exemplo- necessários para contrabalançar o poderio militar
americano.
A outra visão européia é a de Tony Blair e
José María Aznar, que
consiste em cooperar
com os EUA para fazer com que
vejam a importância de trabalhar
com o resto do mundo, especialmente com os aliados. Obviamente, acho que é a segunda dessas duas posições que tem mais
chances de dar resultado.
Tradução Clara Allain
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