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São Paulo, sexta-feira, 28 de março de 2003

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MULTILATERALISMO

Para cientista político, luta contra o terrorismo só terá êxito se EUA contarem com ajuda

Americanos precisam de aliados, diz Nye

J. P. VELÁZQUEZ-GAZTELU
DO "EL PAÍS", EM MADRI

O cientista político Joseph Nye, 66, é um dos maiores críticos norte-americanos do unilateralismo da administração Bush. Veterano dos governos democratas de Jimmy Carter e Bill Clinton, reitor da Kennedy School of Government, da Universidade Harvard, ele esteve em Madri para promover seu livro mais recente, "The Paradox of American Power" (O Paradoxo do Poder Americano).
Na obra, Nye, contrariando o pensamento dominante em Washington, diz que apenas com a ajuda de aliados europeus é que os EUA poderão ter sucesso na luta contra o terrorismo e enfrentar futuras crises internacionais.
 

Pergunta - Como o senhor vê o andamento da guerra, até agora?
Joseph Nye -
Não há dúvida de que os EUA e seus aliados vão ganhar a guerra. A questão mais importante é o que vai acontecer depois da guerra e se será possível restaurar a legitimidade da posição norte-americana, perdida devido à maneira como começamos o conflito.
E isso vai depender de diversos fatores: de a guerra ser relativamente curta e não causar grande número de baixas civis e, em segundo lugar, de os EUA pedirem ajuda à ONU e a seus aliados para reconstruírem o Iraque, transformando o país numa questão de interesse internacional comum, e não exclusivamente americano.

Pergunta - Qual é o interesse dos EUA, a longo prazo? O que pretendem fazer depois da guerra?
Nye -
A administração disse que seu objetivo principal é afastar do poder o presidente Saddam Hussein, que violou gravemente os direitos humanos da população iraquiana, e impedi-lo de desenvolver armas de destruição em massa, coisa que ele claramente está tentando fazer. O objetivo de longo prazo é criar um Iraque democrático e estável que funcione como um exemplo para o resto do Oriente Médio de como um país árabe é capaz de se democratizar.
O primeiro desses objetivos pode ser alcançado com relativa facilidade. O segundo será muito mais difícil de realizar.

Pergunta - O senhor diz que, desde o Império Romano, nunca houve outro país que tenha dominado os demais tanto quanto os Estados Unidos. Como Washington deveria exercer esse papel dominante?
Nye -
Há 12 anos escrevi "Bound to Lead" (Fadado a Liderar), no qual advertia que os EUA não estavam vivendo um declínio -pelo contrário, iam se transformar no país dominante no mundo.
Meu novo livro adverte contra o erro oposto, que é o triunfalismo. O maior perigo que vejo hoje em Washington é que há gente demais que pensa que, por sermos tão poderosos em termos militares, podemos fazer o que bem entendermos. Se não formos capazes de perceber que o fato de sermos poderosos não significa que possamos resolver os problemas sozinhos, acho que os Estados Unidos vão ter grandes problemas a longo prazo.

Pergunta - O poderio militar está no centro do debate.
Nye -
Em meu livro, uso a metáfora de um tabuleiro de xadrez com três níveis. No nível militar, ninguém desafiará os EUA, mas economicamente a Europa contrabalança o poder americano.
No nível mais baixo, o das relações transnacionais num mundo sem fronteiras, ninguém exerce controle. A única maneira de resolver problemas transnacionais, entre eles o terrorismo, é com a cooperação entre os países. Por isso digo que o grande paradoxo do poder norte-americano é que o país mais forte desde Roma não pode proteger seus próprios cidadãos, agindo sozinho.

Pergunta - O senhor concorda com o ideólogo conservador Robert Kagan, para quem a Europa e os EUA já deixaram de compartilhar a mesma visão de mundo?
Nye -
Acho essa idéia exagerada. A Europa e os EUA têm mais valores e interesses comuns do que quaisquer outras duas partes do mundo. Há algo de verdade no fato de que os europeus parecem estar mais preocupados em manter a ilha de paz que criaram com tanto sucesso, e que talvez não estejam prestando atenção suficiente ao fato de que, fora da Europa, em lugares como o Oriente Médio ou a Ásia, o mundo continua a ser tradicional, no qual o uso da força continua a ser essencial em algumas ocasiões.
Por outro lado, penso que os americanos, especialmente os que ocupam o Departamento de Defesa, não dão atenção suficiente ao chamado poder moderado, ou seja, a capacidade de atrair os outros, ao invés de repeli-los.
Há diferenças, como diz Kagan, mas essas diferenças precisam ser vistas dentro de uma perspectiva, dentro do contexto de uma grande civilização comum.

Pergunta - Como a Europa pode contrabalançar as tendências unilateralistas dos EUA?
Nye -
Parece que há duas visões de como a Europa pode moderar a posição americana. O ponto de vista francês parece ser o de opor resistência para equilibrar o poderio dos EUA. Mas não creio que tenha muito êxito, porque não parece haver na Europa muita disposição em investir os recursos -3% do PIB, por exemplo- necessários para contrabalançar o poderio militar americano.
A outra visão européia é a de Tony Blair e José María Aznar, que consiste em cooperar com os EUA para fazer com que vejam a importância de trabalhar com o resto do mundo, especialmente com os aliados. Obviamente, acho que é a segunda dessas duas posições que tem mais chances de dar resultado.


Tradução Clara Allain


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