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DIÁRIO DE BAGDÁ
Em Bagdá, somos todos parte do mesmo alvo
Juca Varella/Folha Imagem
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Edifício onde estavam rádios e TVs iraquianas em Bagdá, parcialmente destruído por mísseis dos EUA |
Pânico. Gritos. Em 30 segundos, repórteres do mundo todo corriam pela rua em busca de um abrigo
Após o ataque, começou a disparada para saber qual equipe chegaria primeiro ao local atingido
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JUCA VARELLA
FOTÓGRAFO
SÉRGIO DÁVILA
REPÓRTER
A entrevista coletiva estava
marcada para as 15h locais (9h
de Brasília), e os jornalistas começavam a chegar ao prédio novo do Ministério da Informação,
no centro de Bagdá. De novo, repararam que os funcionários colocaram cadeiras novas de plástico.
O tema seriam os escudos humanos, que continuam na cidade e inclusive fizeram uma publicação, que começava a ser
distribuída aos presentes. De repente, ouve-se a sequência de
sons e ruídos que tomam a cidade há oito dias, mas com a qual
ninguém jamais vai se acostumar.
Bum. Primeiro, o barulho da
bomba batendo no solo. Depois,
o tremor de terra causado pelo
impacto. Por fim, a explosão
propriamente dita. Bum. De novo, a mesma sequência. O alvo
parecia ser perigosamente próximo de onde estávamos.
Apreensão.
Foi quando o prédio todo fez
um barulho insuportavelmente
alto, como se alguém tivesse estourado um rojão no banheiro
de sua casa no momento em que
você estava dentro do aposento.
Pânico. Gritos. As cadeiras novas viradas no chão. Em 30 segundos, repórteres do mundo todo corriam pela rua em busca
de um abrigo seguro, liderados
pelo veterano John F. Burns, do
jornal "The New York Times".
As equipes de TV, que ficam
no topo da sede do ministério,
onde estão as antenas transmissoras, desciam as escadas aos
tropeções. Reunidos no estacionamento em frente, os grupinhos tentavam entender o que tinha acontecido, já que o prédio
continuava em pé.
Então, a revelação.
A barulheira infernal tinha
vindo do alto do edifício, onde
se escondia até então despercebida uma bateria antiaérea iraquiana que tinha tentado derrubar o avião da coalizão anglo-americana que soltou as duas
bombas.
A presença da artilharia no telhado do Ministério da Informação, que é também onde se reúne diária e obrigatoriamente a
imprensa internacional, nunca
havia sido confirmada pelo governo. A confirmação de que
afinal somos todos parte do
mesmo alvo veio ontem ao vivo
e em cores, com som estéreo.
Passada a confusão inicial,
houve uma correria para os carros e começou uma perseguição
pela cidade para saber qual
equipe seria a primeira a descobrir a localização exata do alvo
das duas bombas. O pega-pega se explica.
É que o governo iraquiano raramente divulga os lugares atingidos pelos ataques norte-americanos, a não ser quando interessa politicamente (alvos civis,
por exemplo) ou quando é impossível negar (caso da sede da
rádio e da TV estatais, que fica
ao lado do centro de imprensa).
Uma vez nos carros, no entanto, é preciso uma negociação
minuto a minuto com o motorista e o guia contratados, ambos na maioria das vezes apontados pelo próprio ministério e
obrigados a apresentar um relatório das atividades diárias aos
seus superiores.
Eles podem não querer levar
os jornalistas até o alvo, ou autorizar a ida mas proibir as fotografias e imagens, ou autorizá-las mas se recusar a servir de intérprete com a população local, que na maioria das vezes só fala árabe.
A dupla contratada pela Folha aceitou a tarefa. Depois de meia
hora rodando a cidade, não conseguimos encontrar os tais alvos
das duas bombas recém-lançadas -no final das contas, nenhuma das equipes conseguiu.
No caminho, porém, descobrimos que a sede da estatal de telecomunicações iraquiana tinha sido atingida por diversos mísseis na noite anterior, fato
que havia sido escondido pelo governo iraquiano até então.
Quando bigode vale mais que mulher
Cada iraquiano pode casar legalmente com até quatro mulheres. A maioria da população masculina urbana tem uma só, não
por ocidentalização ou pudor,
mas por falta de dinheiro mesmo.
Os homens de classe média geralmente têm duas. Três ou quatro
só os membros da elite ou do governo, o que quase sempre é a
mesma coisa.
Mas mais do que dinheiro, poder e mulheres, o que o iraquiano
inveja mesmo é um bom bigode.
Quanto mais basto, bem cortado
e cheio, mais hombridade o acessório natural transmite a seu dono. Quem não tem é considerado
imaturo ou contaminado demais
pelos hábitos ocidentais.
Os homens que ouvi me ensinam que os fios não podem cair
sobre o lábio superior. E que pintar o cabelo tudo bem, mas pintar
o bigode seria de uma gafe inacreditável. E confirmam: "harabichueba", o popular xingamento
árabe que os brasileiros aprenderam a falar de brincadeira, continua na ativa. Mas a grafia e a pronúncia corretas aqui são outras.
"Harabishuarbek" seria certo,
sendo "hara" gíria para fezes e
"shuarbe" a tradução de bigode.
"Merda no seu bigode!", xingam
os iraquianos.
Quando querem garantir que
vão cumprir uma promessa, dizem "eu corto o meu bigode!". E
quando estão com muita raiva de
uma pessoa, gritam "eu amaldiçôo o seu bigode!", como fez antes da guerra o embaixador do
Iraque na ONU falando ao embaixador do Kuait.
Como o chefe, todos os ministros-generais de Saddam Hussein
têm bigode. A exceção é Mohammed Said Al-Sahaf, da Informação. É também o que fala o melhor inglês e, de longe, o mais irônico e mordaz da turma.
Pergunte o nome completo a
qualquer iraquiano de mais de 30
anos e ele vai se atrapalhar de cara. A gagueira temporária não é
necessariamente má-fé. Quando
assumiu o poder, Saddam Hussein fez passar uma lei que obrigava as pessoas a assinar com o
nome próprio seguido do nome
próprio do pai seguido do do avô,
e não mais da maneira tradicional, que era nome próprio + nome da tribo/clã/vila de origem.
O que o motivou foi o alto número de pessoas no alto escalão
de seu governo que traziam o sobrenome Tikritis, ou seja, originário da vila de Tikrit, no norte.
Tikrit é a cidade natal de Saddam, onde fica sua tribo.
Há hoje em dia seis brasileiros
oficialmente no Iraque. Os dois
acima assinados, um funcionário
do Itamaraty que cuida da sede
da ex-embaixada do país, hoje
desativada, duas senhoras que
moram há muito tempo por aqui,
casaram-se com iraquianos e fogem da imprensa e o fotógrafo do
"New York Times", que nasceu
em São Paulo, mas deixou o Brasil antes de aprender a falar.
Ainda os carros: os ministros-generais iraquianos fazem questão de dirigir seus próprios carros. Os assessores vão no banco
de trás ou ao lado, dependendo
da graduação. Ser conduzido não
é visto com bons olhos.
O modelo escolhido depende
do cargo ocupado. Para os ministros, o Lumina da Chevrolet, geralmente branco, ou os tradicionais BMW e Mercedes; para as altas patentes militares, os jipes
Land Cruiser da Toyota.
Detalhe: todos são equipados
com quatro tapetinhos persas, no
lugar do tradicional de borracha.
Ahmed e Mohammed são o
equivalente de José e João de Bagdá. Em toda a roda tem pelo menos um com este nome.
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