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ARTIGO
As quatro guerras entre Israel e palestinos
MICHAEL WALZER
Não há "uma" guerra em curso
entre Israel e Palestina, e não há
apenas uma oposição entre certo
e errado, justo e injusto. Quatro
guerras entre israelenses e palestinos estão sendo travadas agora.
A primeira é uma guerra palestina para destruir o Estado de Israel.
A segunda é uma guerra palestina pela criação de um Estado independente contíguo a Israel,
com o fim da ocupação israelense
na Cisjordânia e na faixa de Gaza.
A terceira é uma guerra israelense pela segurança do país no
interior de suas fronteiras de 1967.
A quarta é uma guerra israelense pela manutenção de um Grande Israel, pelas colônias e pelos
territórios ocupados.
Não é fácil dizer qual das guerras está sendo travada a cada dado
momento; em certo sentido, são
todas simultâneas.
Pessoas diferentes estão combatendo cada uma das quatro guerras, ao mesmo tempo. Tomadas
separadamente, duas das guerras
são justas e duas são injustas. Mas
elas não existem no "mundo real"
de forma separada. É possível começar analisando cada uma delas
em separado, mas não devemos
nos limitar a isso.
1. A guerra contra Israel. Essa é a
guerra que é "declarada" a cada
vez que um terrorista ataca civis
israelenses. O quer que os terroristas tenham a dizer sobre suas
atividades, em termos individuais, a intenção
que sinalizam ao
mundo, e acima
de tudo às suas vítimas, é radical e
assustadora: uma
política de massacre, ou remoção,
ou subjugação. O
objetivo do terrorismo é uma vitória total, a rendição incondicional
do inimigo.
Os cidadãos judeus de Israel têm
de presumir que
algo semelhante é
o objetivo dos
atuais terroristas
palestinos: o fim
do Estado judaico,
a remoção dos judeus. A linguagem da incitação
-sermões em
mesquitas palestinas, funerais nos
quais o "martírio" dos terroristas
suicidas é celebrado- torna clara
essa intenção, e esses são os objetivos explícitos das principais organizações terroristas, Hamas e
Jihad Islâmico. Mas será que se
pode dizer que é esse o objetivo
do movimento palestino como
um todo? É isso que Iasser Arafat
realmente procura?
Não é fácil interpretá-lo. Talvez
Arafat ache que esteja usando os
terroristas; talvez tenha a esperança de um dia matá-los ou exilá-los, depois da independência.
Mas, neste momento, ele é no mínimo cúmplice do terrorismo. As
perfunctórias condenações oferecidas como expiação depois de
cada ataque há muito deixaram
de ser convincentes.
A primeira das guerras é uma
guerra real, mesmo que pareça estar fadada à derrota, com conseqüências terríveis para o povo palestino, mesmo que alguns (ou
muitos) dentre os palestinos acreditem estar combatendo em um
conflito diferente.
2. A guerra por um Estado independente: essa é a guerra que simpatizantes esquerdistas na Europa e nos Estados Unidos usualmente alegam que os palestinos
estão travando, porque é a guerra
que eles acreditam que os palestinos deveriam estar travando.
Não tenho dúvida quanto ao direito dos palestinos a um Estado,
ainda que acredite que a ocupação original da Cisjordânia e da
faixa de Gaza fosse justificada. Em
1967, os árabes travaram uma
guerra do primeiro tipo em minha lista, contra a existência de Israel. Mas os territórios que Israel
passou a controlar ao final de sua
vitoriosa defesa supostamente deveriam ser usados (era isso que os
líderes do país diziam à época) como ferramentas para a negociação de uma paz futura.
Quando, em lugar disso, o governo israelense começou a patrocinar e sustentar colônias instaladas além da antiga fronteira (a
linha verde), conferiu legitimidade a um movimento de resistência cujo objetivo era a libertação.
E quanto mais longa a ocupação,
quanto mais as colônias prosperaram e se expandiram, mais forte
o movimento se tornou.
De modo que estabelecer um
Estado próprio é um objetivo legítimo para os militantes palestinos. A primeira Intifada (1987),
com suas crianças atirando pedras, parecia ser uma luta por um
Estado desse tipo, limitado à Cisjordânia e à faixa de Gaza, onde as
crianças viviam. Não era exatamente uma luta não-violenta,
mas seus protagonistas pareciam
reconhecer a existência de limites:
o objetivo não era ameaçar os israelenses de seu lado da linha verde, onde vivia a maior parte da
população de Israel. E é por isso
que a revolta teve sucesso em
avançar o processo de paz.
A Intifada renovada iniciada em
2000 é uma luta violenta, e não se
confina aos territórios ocupados.
Ainda assim, as entrevistas conduzidas por jornalistas com muitos dos combatentes sugerem que
eles (ou pelo menos alguns deles)
consideram estar combatendo
pelo fim da ocupação; o objetivo
que expressam é criar um Estado
independente, vizinho a Israel.
Assim, essa segunda guerra é
também uma guerra verdadeira,
se bem que uma vez mais não fique claro até que
ponto Arafat esteja comprometido
com ela.
3. A guerra pela
segurança de Israel: não se sabe
quantos soldados
israelenses acreditam que essa seja a
guerra que estão
travando, mas é
um número certamente elevado. A
convocação de reservistas que precedeu as "incursões" israelenses à
Cisjordânia em
março e abril de
2002 teve resultado espantoso:
mais de 95% dos
soldados se apresentaram. Eles
não acreditavam
estar combatendo
pelos territórios
ocupados e pelas colônias.
Os reservistas acreditavam estar
lutando por seu país ou, talvez
melhor, pela sobrevivência e pela
segurança de seu país. A terceira
guerra é uma guerra real, e moralmente uma guerra muito importante, em defesa de lares e famílias. Mas alguns lares e famílias israelenses estão localizados do lado errado da linha verde, onde
defendê-los se torna moralmente
problemático.
4. A guerra pelos territórios
ocupados: a direita israelense está
definitivamente comprometida
com esse objetivo, mas o apoio de
que desfruta no país é (uma vez
mais) incerto. O primeiro-ministro Ehud Barak, na conferência de
Camp David, em 2000, acreditava
ser capaz de vencer um referendo
defendendo uma retirada quase
completa, caso isso fosse parte de
um acordo negociado para resolver o conflito como um todo.
Uma retirada feita sob pressão
de ataques terroristas provavelmente não contaria com apoio semelhante. O terrorismo palestino
é um desastre para a esquerda israelense porque, diante do terror,
se torna difícil aos seus líderes
mobilizar resistência contra as colônias. E isso abre caminho para
que os políticos de direita defendam a colonização.
Mas a luta pelas colônias garante que não existirá paz real. Pois o
movimento colonizador é o equivalente prático das organizações
terroristas. Apresso-me a acrescentar que não se trata de um
equivalente moral. Os colonos
não são assassinos, embora haja
entre eles um pequeno número de
terroristas.
Mas a mensagem da atividade
de colonização, para os palestinos, é muito semelhante à mensagem do terrorismo para os israelenses: queremos que vocês saiam
dessas terras, ou que vocês aceitem uma posição de radical subordinação em seu próprio país.
O objetivo dos colonos é criar um
Grande Israel, e a realização desse
objetivo implicaria na impossibilidade de existência de um Estado
palestino. É nesse sentido apenas
que eles se assemelham aos terroristas: querem tudo. A quarta
guerra é uma guerra real.
O grande erro de dois primeiros-ministros de centro-esquerda
recentes de Israel, Yitzhak Rabin e
Ehud Barak, foi o de não se posicionarem firmemente como adversários da colonização, desde o
começo. Se tivessem congelado as
colônias e escolhido alguns assentamentos isolados para remoção,
teriam provocado uma batalha
política que, estou certo, seriam
capazes de vencer. Como isso não
aconteceu, os radicais palestinos
conseguiram convencer muitos
de seus conterrâneos de que um
compromisso era impossível.
Preciso dizer alguma coisa sobre o "direito ao retorno", provavelmente um dos fatores cruciais
para o fracasso das negociações
em Camp David, no terceiro trimestre de 2000. Quanto a esse
ponto, no entanto, existe desacordo entre os participantes: Arafat
estava insistindo na aceitação
simbólica do direito ou em um retorno efetivo dos exilados?
A maior parte dos israelenses
optou por interpretar a posição de
maneira literal, argumentando
que aceitar esse direito abriria as
portas para o retorno de centenas
de milhares de palestinos, o que
reverteria a atual maioria de população judaica em Israel. O retorno, alegam eles, significaria a
criação de dois Estados palestinos. Entre os palestinos, apenas
Sari Nuseibeh, representante da
Autoridade Nacional Palestina
em Jerusalém, se dispôs a afirmar
de maneira clara que a renúncia
ao direito de retorno é o preço da
criação de um Estado.
Essa posição me parece correta,
já que defender o retorno na verdade reacende o conflito de 1947-48, o que não é uma boa idéia
mais de meio século mais tarde.
Hoje, se os palestinos desejam
vencer sua guerra pela independência, precisam reconhecer que
Israel já fez o mesmo. Talvez um
certo número de refugiados retorne a Israel, e um número maior à
Palestina. Os demais terão de ser
assentados em outros países. É
hora de tratar de sua miséria prática, e não de seus direitos e aspirações simbólicos.
De que maneira se poderia julgar as quatro guerras? Que espécie de juízo podemos fazer quanto
a quem apoiar ou combater, e
quando? Muito depende de questões que não respondi. Quantos
israelenses, quantos palestinos,
endossam cada uma das guerras?
Ou, talvez melhor, deveríamos
perguntar o que aconteceria se cada um dos lados vencer sua guerra justa. Se os palestinos puderem
criar um Estado
de seu lado da linha verde, será
que encarariam
ou pelo menos será que uma maioria suficiente deles
encararia a situação como uma
realização de suas
aspirações nacionalistas? Aceitariam um Estado
desse tipo como
ponto final do
conflito? O comportamento de
Arafat não sugere
uma resposta esperançosa.
E será que a defesa israelense de
seu Estado se limitaria à linha verde?
O comportamento de Sharon no
poder também
não oferece resposta esperançosa.
A primeira guerra precisa ser
derrotada ou abandonada em definitivo. Os críticos de Israel na
Europa e nas Nações Unidas cometeram um erro terrível, tanto
moral quanto político, ao não reconhecer a necessidade dessa derrota. Condenaram cada ataque
terrorista aos civis israelenses,
mas ainda não reconheceram,
quanto mais condenaram, os ataques como um todo como uma
guerra injusta contra a existência
de Israel. Houve muitas desculpas
para o terrorismo, esforços demais para "compreender" o terrorismo como resposta à opressão dos ocupantes.
Vencer a segunda das guerras,
pelo estabelecimento de um Estado palestino, depende de perder
ou de renunciar à primeira. Essa
dependência, em minha opinião,
é moralmente clara; mas nem
sempre foi clara politicamente. Se
um dia houver uma intervenção
estrangeira no conflito entre Israel e os palestinos, uma das metas deveria ser esclarecer a relação
entre a primeira e a segunda guerras (e entre a terceira e a quarta).
Os palestinos só poderão ter um
Estado quando
tornarem claro
aos israelenses
que o Estado que
desejam seria um
vizinho, e não um
substituto, de Israel. A relação entre a terceira e a
quarta guerras é
simétrica à que
existe entre as
duas primeiras: a
quarta, por um
Grande Israel,
precisa ser perdida ou abandonada, se o objetivo é
vencer a terceira
guerra, pela existência de Israel.
Os ataques de
março e abril de
2002 às cidades da
Cisjordânia, e o
retorno de soldados israelenses a
essas cidades em
junho e julho do mesmo ano, seriam muito mais fáceis de justificar caso estivesse claro que o objetivo não era manter a ocupação,
mas reduzir ou pôr fim à ameaça
terrorista. Nenhum país pode renunciar a defender a vida de seus
cidadãos. Mas é um prelúdio moralmente necessário a vencer essa
guerra que o governo Sharon declare seu compromisso político
para com o fim da ocupação e a
remoção dos colonos.
Quase todo mundo tem um plano de paz: uma paz para quatro
guerras. E o plano de todos (exceto dos palestinos e israelenses que
lutam para ganhar tudo) é mais
ou menos o mesmo. É preciso que
haja dois Estados, divididos por
uma fronteira próxima à linha
verde, com mudanças definidas
por acordo mútuo. Sobre como
chegar a esse ponto, e como garantir que os dois lados lá se mantenham, há profundo desacordo,
inclusive no interior de ambas as
comunidades.
Os palestinos precisam renunciar ao terrorismo; os israelenses
precisam renunciar à ocupação.
De fato, renúncias não parecem
prováveis, se levarmos em conta
as lideranças existentes dos dois
lados. Mas existe um significativo
movimento pacifista em Israel, e
diversos partidos políticos que
aceitam renunciar aos territórios.
Entre os palestinos, se bem que
não exista movimento comparável, há pelo menos alguns pequenos sinais de oposição aos ataques
terroristas. Os possíveis avanços
talvez precisem surgir independentemente, dos dois lados, e inicialmente vindos de fora daquilo
que costumamos designar como
"círculos dirigentes".
Em última análise, os envolvidos nas guerras dois e três precisam derrotar os envolvidos nas
guerras um e quatro. O caminho
para a paz começa com essas duas
batalhas internas. Existe uma forma de envolvimento internacional, mais ideológica que militar,
que poderia ser genuinamente
útil. É extremamente importante
que os colonos e os terroristas
percam sua legitimidade. Mas é
preciso que isso aconteça ao mesmo tempo, e com uma certa dose
de inteligência moral.
Só quando os críticos europeus
de Israel estiverem preparados
para dizer aos palestinos que não
haverá assistência a uma Autoridade Nacional Palestina cúmplice
do terrorismo será possível que
solicitem aos críticos americanos
dos palestinos que transmitam
mensagem semelhante ao governo israelense. Os intelectuais dedicados ao internacionalismo poderiam servir a essa causa explicando e defendendo as duas mensagens simultaneamente.
Tentei refletir a complexidade
do conflito entre Israel e os palestinos. Não posso me pretender
perfeitamente objetivo. O crucial
é que a existência de quatro guerras seja reconhecida.
A maior parte dos analistas não
o faz, e produz caricaturas ideológicas do conflito. É fácil ridicularizar essas caricaturas, mas o efeito
delas é letal. Pois elas encorajam
palestinos e israelenses a persistir
na primeira e na quarta guerras.
Aqueles que se preocupam com o
Oriente Médio têm a obrigação de
não agir assim.
Esta é uma versão reduzida de artigo publicado na revista "Dissent".
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