São Paulo, quarta-feira, 28 de março de 2007

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Prodi defende que Europa ceda para destravar Doha

Depois de encontro com Lula, premiê evita comentar estatizações de Chávez e diz que empresas italianas querem participar do PAC

Segundo premiê italiano, intransigência na negociação adia acordo multilateral da OMC e penaliza os mais pobres

ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA

A quatro dias da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos EUA, no sábado, o primeiro-ministro da Itália, Romano Prodi, de centro-esquerda, defendeu ontem em Brasília que EUA e Europa recuem de sua intransigência para permitir a conclusão de um acordo na Organização Mundial do Comércio que beneficie países produtores agrícolas.
"Se nós deixarmos que prevaleça apenas o bilateralismo, deixaremos de fora toda a África e os países mais pobres da Ásia e até países da América Latina. Sou favorável a acordos bilaterais e regionais, como fazem Brasil e EUA, Europa e EUA, mas, se não vierem acompanhados de acordos multilaterais, os países mais pobres sofrerão muitíssimo", disse Prodi, em entrevista à Folha.

FOLHA -

Berlusconi não dava importância ao Brasil e à América do Sul. Essa sua viagem marca um reaquecimento das relações?
ROMANO PRODI
- Os gestos dizem tudo. Eu reservei as primeiras viagens do meu governo às três grandes novidades do mundo: China, Índia e Brasil. Esses são os grandes protagonistas políticos que se juntam aos velhos, aos tradicionais. E, quanto mais aumenta o número de protagonistas políticos, mais salvaguardamos o equilíbrio e a democracia do mundo.

FOLHA - Mas há uma diferença entre Brasil, China e Índia: aqui há 25 milhões de italianos ou descendentes de italianos.
PRODI
- Esse foi justamente o meu discurso na partida para cá. Precisamos olhar o Brasil não apenas pelo peso político e econômico, mas por sua ligação direta com a Itália.

FOLHA - O sr. tem a percepção de uma guinada à esquerda na América Latina?
PRODI
- Sim, esse é um dos fatos mais importantes da política mundial dos últimos anos, ainda que sejam esquerdas diversas. Cada esquerda da América Latina tem sua própria dinâmica e é claro que se trata de uma questão de reflexão e de análise, mas essa transição da esquerda para uma posição mais progressista, digamos, é mais conseqüente se dentro de uma linha de cooperação, não como um fato isolado.

FOLHA - Uma das características da esquerdização é a reestatização de empresas, como na Venezuela e na Bolívia. Isso preocupa a UE, a Itália, os grandes investidores? Qual o papel que o Brasil pode ter?
PRODI
- É por isso que eu digo que há diversas esquerdas. Nós, na Itália, somos de centro-esquerda e abraçamos uma política de mercado, de liberalização, de concorrência. Nós reconhecemos a necessidade de autonomia nas decisões, de diversidade, e sabemos que a nova esquerda no mundo não vai numa direção de "dirigismo", mas de um mercado controlado pelos interesses dos consumidores. Não é uma estatização.

FOLHA - Chávez está virando um líder da esquerda mundial, da resistência à moderação da esquerda?
PRODI
- Pode-se dizer que Chávez está se tornando líder de uma parte da esquerda mundial. São muitas esquerdas e não creio que uma delas seja prevalecente.

FOLHA - E o presidente Lula, como foi sua conversa com ele?
PRODI
- As relações da Itália com o Brasil são boas, mas nós concordamos que, quantitativamente, estão muito aquém do nível desejável. Nós temos diante de nós a expectativa de multiplicar essas relações.

FOLHA - Mas o comércio cresceu 80% em termos absolutos desde 2000. Há espaço para crescer mais?
PRODI
- Os investimentos ainda são muito poucos. Devemos pensar não só em multiplicar os investimentos da Itália no Brasil mas também os do Brasil na Itália. O Brasil é já um grande protagonista da economia mundial. E é claro que a Itália gostaria de ver suas empresas participando do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].
O que nós queremos é uma relação corajosa, inclusive no sentido de formalizar projetos de cooperação para o desenvolvimento científico e tecnológico de países muito pobres da África. Já vamos começar isso na área de energia renovável, com projetos de biodiesel com tecnologia brasileira e colaboração italiana e de encontro ao desejo da UE de atingir um alto percentual de produção de energia renovável. Então, eu vejo as relações da Itália com o Brasil não apenas no restrito âmbito comercial, mas estratégico, de futuro, de interação.

FOLHA - Em que pé estão as negociações UE-Mercosul?
PRODI
- Estão complicadas, muito complicadas. Não estamos longe de uma conclusão, mas precisamos antes acertar a Rodada Doha [negociações agrícolas na OMC]. Sem EUA, sem UE e sem os países que são produtores agrícolas, sem que ninguém dê um passo adiante, não haverá acordo nenhum.
Eu defendo e trabalho na direção de que a UE dê um passo à frente. Se nós deixarmos que prevaleça apenas o bilateralismo, nós deixaremos de fora da ótica toda a África e os países mais pobres da Ásia e até, creia, países da América Latina. Sou favorável a acordos bilaterais e regionais, como fazem Brasil e EUA, ou Europa e EUA, mas, se não vierem acompanhados de acordos multilaterais, os países mais pobres sofrerão muito.

FOLHA - Esse será um dos temas de Lula com Bush no próximo sábado, em Camp David. O Blair conversou com Lula sobre isso; e o sr.?
PRODI
- Falamos em geral, sobre a necessidade de um passo adiante de todos os três atores desse processo. Eu defendo enfaticamente que tanto os EUA quanto a UE cedam e dêem esse passo fundamental.

FOLHA - E suas dificuldades internas? Como driblar uma maioria frágil no Senado?
PRODI
- Você viu quando me telefonaram para dar o resultado da votação no Senado pela ajuda ao Afeganistão: uma vitória.


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