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Prodi defende que Europa ceda para destravar Doha
Depois de encontro com Lula, premiê evita comentar estatizações de Chávez e diz que empresas italianas querem participar do PAC
Segundo premiê italiano, intransigência na negociação adia acordo multilateral da OMC e penaliza os mais pobres
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
A quatro dias da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos EUA, no sábado, o primeiro-ministro da Itália, Romano Prodi, de centro-esquerda, defendeu ontem em Brasília
que EUA e Europa recuem de
sua intransigência para permitir a conclusão de um acordo na
Organização Mundial do Comércio que beneficie países
produtores agrícolas.
"Se nós deixarmos que prevaleça apenas o bilateralismo,
deixaremos de fora toda a África e os países mais pobres da
Ásia e até países da América Latina. Sou favorável a acordos bilaterais e regionais, como fazem Brasil e EUA, Europa e
EUA, mas, se não vierem acompanhados de acordos multilaterais, os países mais pobres sofrerão muitíssimo", disse Prodi, em entrevista à Folha.
FOLHA - Berlusconi não dava importância ao Brasil e à América do
Sul. Essa sua viagem marca um reaquecimento das relações?
ROMANO PRODI - Os gestos dizem tudo. Eu reservei as primeiras viagens do meu governo
às três grandes novidades do
mundo: China, Índia e Brasil.
Esses são os grandes protagonistas políticos que se juntam
aos velhos, aos tradicionais. E,
quanto mais aumenta o número de protagonistas políticos,
mais salvaguardamos o equilíbrio e a democracia do mundo.
FOLHA - Mas há uma diferença entre Brasil, China e Índia: aqui há 25
milhões de italianos ou descendentes de italianos.
PRODI - Esse foi justamente o
meu discurso na partida para
cá. Precisamos olhar o Brasil
não apenas pelo peso político e
econômico, mas por sua ligação
direta com a Itália.
FOLHA - O sr. tem a percepção de
uma guinada à esquerda na América Latina?
PRODI - Sim, esse é um dos fatos mais importantes da política mundial dos últimos anos,
ainda que sejam esquerdas diversas. Cada esquerda da América Latina tem sua própria dinâmica e é claro que se trata de
uma questão de reflexão e de
análise, mas essa transição da
esquerda para uma posição
mais progressista, digamos, é
mais conseqüente se dentro de
uma linha de cooperação, não
como um fato isolado.
FOLHA - Uma das características da
esquerdização é a reestatização de
empresas, como na Venezuela e na
Bolívia. Isso preocupa a UE, a Itália,
os grandes investidores? Qual o papel que o Brasil pode ter?
PRODI - É por isso que eu digo
que há diversas esquerdas. Nós,
na Itália, somos de centro-esquerda e abraçamos uma política de mercado, de liberalização, de concorrência. Nós reconhecemos a necessidade de autonomia nas decisões, de diversidade, e sabemos que a nova
esquerda no mundo não vai numa direção de "dirigismo", mas
de um mercado controlado pelos interesses dos consumidores. Não é uma estatização.
FOLHA - Chávez está virando um líder da esquerda mundial, da resistência à moderação da esquerda?
PRODI - Pode-se dizer que Chávez está se tornando líder de
uma parte da esquerda mundial. São muitas esquerdas e
não creio que uma delas seja
prevalecente.
FOLHA - E o presidente Lula, como
foi sua conversa com ele?
PRODI - As relações da Itália
com o Brasil são boas, mas nós
concordamos que, quantitativamente, estão muito aquém
do nível desejável. Nós temos
diante de nós a expectativa de
multiplicar essas relações.
FOLHA - Mas o comércio cresceu
80% em termos absolutos desde
2000. Há espaço para crescer mais?
PRODI - Os investimentos ainda são muito poucos. Devemos
pensar não só em multiplicar
os investimentos da Itália no
Brasil mas também os do Brasil
na Itália. O Brasil é já um grande protagonista da economia
mundial. E é claro que a Itália
gostaria de ver suas empresas
participando do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].
O que nós queremos é uma
relação corajosa, inclusive no
sentido de formalizar projetos
de cooperação para o desenvolvimento científico e tecnológico de países muito pobres da
África. Já vamos começar isso
na área de energia renovável,
com projetos de biodiesel com
tecnologia brasileira e colaboração italiana e de encontro ao
desejo da UE de atingir um alto
percentual de produção de
energia renovável. Então, eu
vejo as relações da Itália com o
Brasil não apenas no restrito
âmbito comercial, mas estratégico, de futuro, de interação.
FOLHA - Em que pé estão as negociações UE-Mercosul?
PRODI - Estão complicadas,
muito complicadas. Não estamos longe de uma conclusão,
mas precisamos antes acertar a
Rodada Doha [negociações
agrícolas na OMC]. Sem EUA,
sem UE e sem os países que são
produtores agrícolas, sem que
ninguém dê um passo adiante,
não haverá acordo nenhum.
Eu defendo e trabalho na direção de que a UE dê um passo
à frente. Se nós deixarmos que
prevaleça apenas o bilateralismo, nós deixaremos de fora da
ótica toda a África e os países
mais pobres da Ásia e até, creia,
países da América Latina. Sou
favorável a acordos bilaterais e
regionais, como fazem Brasil e
EUA, ou Europa e EUA, mas, se
não vierem acompanhados de
acordos multilaterais, os países
mais pobres sofrerão muito.
FOLHA - Esse será um dos temas de
Lula com Bush no próximo sábado,
em Camp David. O Blair conversou
com Lula sobre isso; e o sr.?
PRODI - Falamos em geral, sobre a necessidade de um passo
adiante de todos os três atores
desse processo. Eu defendo enfaticamente que tanto os EUA
quanto a UE cedam e dêem esse
passo fundamental.
FOLHA - E suas dificuldades internas? Como driblar uma maioria frágil no Senado?
PRODI - Você viu quando me telefonaram para dar o resultado
da votação no Senado pela ajuda ao Afeganistão: uma vitória.
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