São Paulo, domingo, 28 de março de 2010

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Expansão de Israel muda geografia do conflito

Desde a anexação de Jerusalém Oriental em 1967, 190 mil judeus passaram a viver no lado da cidade reivindicado por palestinos

Israelenses consideram áreas como bairros comuns; porém, estrangeiros as veem como assentamentos e condenam construções

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM

Bastam dez minutos de carro para se chegar do centro de Jerusalém até Ramat Shlomo, um pacato bairro de judeus ultraortodoxos cercado de pinheiros numa colina do leste da cidade. Não há barreiras nem qualquer sinal de fronteira, ônibus municipais circulam como no resto da cidade, e o único contratempo são os constantes engarrafamentos.
"Bairro" é como os israelenses chamam e veem o local, estopim da atual crise entre Israel e os EUA. Mas para os palestinos e a comunidade internacional, Ramat Shlomo é um assentamento ilegal, construído em território ocupado na Guerra dos Seis Dias, em 1967.
A diferença de percepção vai bem além da semântica. Todos os governos israelenses nesses 42 anos mantiveram a construção, espalhando bairros judeus na área ocupada e entranhando no público a ideia de que eles são parte inseparável do país.
"Só agora, lendo nos jornais sobre essa crise, descobri que vivo num assentamento", ironiza Nathan, 40, judeu ultraortodoxo, enquanto observa os filhos brincarem num parque de Ramat Shlomo, onde mora há 14 anos. Só 200 metros à frente fica a aldeia palestina de Shuafat, onde fica o único campo de refugiados da cidade. "Sempre me senti como em qualquer outro bairro de Jerusalém."
Foi um projeto imobiliário em Ramat Shlomo que deflagrou a crise entre Israel e EUA. O plano de construir mais 1.600 apartamentos no local, anunciado durante visita a Jerusalém do vice-presidente americano Joe Biden, foi visto por Washington como ato de sabotagem a seus esforços de paz.
De 1948, quando Israel foi fundado, a 1967, Jerusalém foi uma cidade dividida, com a parte oriental controlada pela Jordânia, inclusive a Cidade Velha, onde estão locais sagrados do judaísmo, islã e cristianismo.
Apenas 17 dias depois de vencer a guerra, Israel ampliou os limites municipais da cidade de 40 km2 para 70km2. Em 1980, o Parlamento aprovou lei que formalizou a "reunificação" de Jerusalém, na prática anexando a parte ocupada. Hoje, a cidade tem 125 km2 e 730 mil habitantes, sendo 65% judeus.
Mas a anexação nunca ganhou legitimidade externa. Israel é o único país cuja capital declarada não é reconhecida internacionalmente.
É um tema no qual há um choque frontal até com o principal aliado: os EUA não apenas mantêm sua embaixada em Tel Aviv, assim como todos os demais países, mas possuem dois consulados em Jerusalém, um no lado ocidental (judeu), outro no oriental (árabe).
O cientista político israelense Menachem Klein aponta para uma "dualidade" histórica na atitude de Israel em relação à cidade: embora tenham consciência de que qualquer acordo de paz terá de incluir soberania palestina na cidade, as autoridades israelenses continuam agindo para dificultar a divisão.
Klein observa que a construção do muro de separação da Cisjordânia, iniciada em 2002, aumentou ainda mais a área de Jerusalém controlada por Israel. Em 1967, a cidade representava apenas 1% da área da Cisjordânia ocupada. Na divisão traçada pelo muro, ela passou a ser 4% do território.
Sustentado por partidos ultranacionalistas, o atual governo israelense é ainda mais resistente a concessões em Jerusalém, embora o premiê Binyamin Netanyahu se declare a favor da solução de dois Estados.
A expansão urbana imposta por Israel nas áreas ocupadas é uma realidade que já mudou a geografia do conflito e terá de ser levada em conta num acordo. Cerca de 190 mil israelenses vivem hoje em bairros como Ramat Shlomo, lado a lado com os 270 mil palestinos de Jerusalém Oriental.
A solução seria trocar territórios. "Se não podemos ter 100% das fronteiras de 1967, queremos equivalente a 100% do tamanho", disse o negociador palestino, Saeb Erekat.


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