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Expansão de Israel muda geografia do conflito
Desde a anexação de Jerusalém Oriental em 1967, 190 mil judeus passaram a viver no lado da cidade reivindicado por palestinos
Israelenses consideram áreas como bairros comuns; porém, estrangeiros as veem como assentamentos e condenam construções
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
Bastam dez minutos de carro
para se chegar do centro de Jerusalém até Ramat Shlomo, um
pacato bairro de judeus ultraortodoxos cercado de pinheiros numa colina do leste da
cidade. Não há barreiras nem
qualquer sinal de fronteira,
ônibus municipais circulam como no resto da cidade, e o único
contratempo são os constantes
engarrafamentos.
"Bairro" é como os israelenses chamam e veem o local, estopim da atual crise entre Israel e os EUA. Mas para os palestinos e a comunidade internacional, Ramat Shlomo é um
assentamento ilegal, construído em território ocupado na
Guerra dos Seis Dias, em 1967.
A diferença de percepção vai
bem além da semântica. Todos
os governos israelenses nesses
42 anos mantiveram a construção, espalhando bairros judeus
na área ocupada e entranhando
no público a ideia de que eles
são parte inseparável do país.
"Só agora, lendo nos jornais
sobre essa crise, descobri que
vivo num assentamento", ironiza Nathan, 40, judeu ultraortodoxo, enquanto observa os filhos brincarem num parque de
Ramat Shlomo, onde mora há
14 anos. Só 200 metros à frente
fica a aldeia palestina de Shuafat, onde fica o único campo de
refugiados da cidade. "Sempre
me senti como em qualquer outro bairro de Jerusalém."
Foi um projeto imobiliário
em Ramat Shlomo que deflagrou a crise entre Israel e EUA.
O plano de construir mais 1.600
apartamentos no local, anunciado durante visita a Jerusalém do vice-presidente americano Joe Biden, foi visto por
Washington como ato de sabotagem a seus esforços de paz.
De 1948, quando Israel foi
fundado, a 1967, Jerusalém foi
uma cidade dividida, com a parte oriental controlada pela Jordânia, inclusive a Cidade Velha,
onde estão locais sagrados do
judaísmo, islã e cristianismo.
Apenas 17 dias depois de vencer a guerra, Israel ampliou os
limites municipais da cidade de
40 km2 para 70km2. Em 1980, o
Parlamento aprovou lei que
formalizou a "reunificação" de
Jerusalém, na prática anexando a parte ocupada. Hoje, a cidade tem 125 km2 e 730 mil habitantes, sendo 65% judeus.
Mas a anexação nunca ganhou legitimidade externa. Israel é o único país cuja capital
declarada não é reconhecida
internacionalmente.
É um tema no qual há um
choque frontal até com o principal aliado: os EUA não apenas mantêm sua embaixada em
Tel Aviv, assim como todos os
demais países, mas possuem
dois consulados em Jerusalém,
um no lado ocidental (judeu),
outro no oriental (árabe).
O cientista político israelense Menachem Klein aponta para uma "dualidade" histórica
na atitude de Israel em relação
à cidade: embora tenham consciência de que qualquer acordo
de paz terá de incluir soberania
palestina na cidade, as autoridades israelenses continuam
agindo para dificultar a divisão.
Klein observa que a construção do muro de separação da
Cisjordânia, iniciada em 2002,
aumentou ainda mais a área de
Jerusalém controlada por Israel. Em 1967, a cidade representava apenas 1% da área da
Cisjordânia ocupada. Na divisão traçada pelo muro, ela passou a ser 4% do território.
Sustentado por partidos ultranacionalistas, o atual governo israelense é ainda mais resistente a concessões em Jerusalém, embora o premiê Binyamin Netanyahu se declare a favor da solução de dois Estados.
A expansão urbana imposta
por Israel nas áreas ocupadas é
uma realidade que já mudou a
geografia do conflito e terá de
ser levada em conta num acordo. Cerca de 190 mil israelenses vivem hoje em bairros como Ramat Shlomo, lado a lado
com os 270 mil palestinos de
Jerusalém Oriental.
A solução seria trocar territórios. "Se não podemos ter
100% das fronteiras de 1967,
queremos equivalente a 100%
do tamanho", disse o negociador palestino, Saeb Erekat.
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