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Vício coletivo por erva proscrita em outros países move o Iêmen
Cerca de 80% dos homens e 50% das mulheres do país mais pobre do Oriente Médio mascam qat, droga contraindicada por ONU e OMS
Para adeptos, erva clareia ideias, serve de antídoto contra o cansaço, aumenta
a potência sexual e pode até aproximar usuário de Deus
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL A SANAA (IÊMEN)
Consumida por 80% dos homens e 50% das mulheres no
Iêmen, a erva qat altera a consciência, vicia, afeta o bolso dos
mais pobres, inibe a produtividade e alimenta redes de contrabando internacional. A ONU
e a Organização Mundial da
Saúde a consideram uma droga
e recomendam que seu comércio seja, no mínimo, mais controlado. Mas, para a maioria
dos iemenitas, mascar qat é um
hábito cultural inofensivo.
A erva é onipresente no país
mais pobre do Oriente Médio.
Homens caminham pelas ruas
com as bochechas inchadas de
tanto qat. Motoristas seguram
o volante com uma das mãos
enquanto a outra leva as folhas
até a boca. Policiais orientam o
trânsito com fisionomia de
quem está ruminando. Os sorrisos deixam à mostra rastros
verdes nos dentes.
Dentro das casas, o consumo
é coletivo e ocorre geralmente
na sala de estar, onde os homens se acomodam em compridos colchões colocados rente às paredes, em meio a uma
fartura de almofadas.
É durante a tarde que as pessoas se reúnem para "estocar
[erva na boca]", conforme o
verbo usado em árabe.
A vida no Iêmen parece voltada para um vício coletivo. Repartições públicas fecham às
14h, e o movimento no comércio despenca nas tardes. Só as
feiras de qat, onde vendedores
ficam sentados no chão rodeados por sacolas, permanecem
cheias de gente o dia todo.
Antes do consumo, as folhas
devem ser separadas dos pequenos galhos. As maiores têm
o tamanho de um polegar e são
colocadas aos montes na boca.
A mastigação é feita de um só
lado. Recomenda-se não engolir a maçaroca, que pode ser
mascada durante horas.
O qat, dizem os adeptos, clareia as ideias e propicia longas e
agradáveis conversas entre
amigos. A erva também é vista
como um poderoso antídoto
contra o cansaço. Há quem garanta potência sexual extra.
A prova mais simbólica da
aceitação sem complexo do qat
está no fato de os iemenitas não
verem problema em rezar sob
os efeitos da planta. Para alguns
clérigos do Iêmen, o qat favorece o elo com Deus.
Muitos discordam, inclusive
a elite religiosa da vizinha Arábia Saudita, onde o qat é combatido -as escrituras vetam rezas em estado alterado.
No plano sanitário também
há ampla condenação. O qat,
segundo estudos médicos, pode
causar transtornos que vão de
crises de paranoia a surtos de
agressividade. A erva é banida
em quase todo o mundo. Nos
EUA é considerada droga Categoria 1, como a heroína e o LSD.
A droga está destruindo o Iêmen, garante a associação Por
um Iêmen sem Qat, financiada
por uma família de ricos intelectuais. "É um hábito que ocupa a maior parte do tempo das
pessoas. Pais e mães passam
mais tempo mascando do que
cuidando dos filhos", disse à
Folha Adel al Jaraza, diretor-executivo da associação.
O maior problema, segundo
al Jaraza, é econômico. "As pessoas gastam mais com qat do
que com comida", aponta.
O plantio de qat é tido como
vilão do setor agrícola, por usar
40% dos recursos hídricos do
país. A produção, quatro vezes
mais rentável do que a de frutas, cresce 15% ao ano, acompanhando a alta do consumo.
O governo diz combater o
qat, mas não ousa proibi-lo.
Muitas fazendas pertencem ao
alto escalão oficial.
"O problema não é o qat, é a
pobreza, o desemprego e a falta
de lazer. Em Sanaa, não há nem
sequer um parque decente para
passear. Não nos restará nada
se proibirem o qat", diz o servidor Brahim Medani.
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