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CHOQUE NA FRANÇA
Com o crescimento da extrema direita francesa, a aversão à União Européia volta a ser debatida
Le Pen capitaliza sentimento antieuropeu
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Mitos e verdades cercam o chamado "sentimento antieuropeu",
tão em voga ultimamente por
conta da passagem do líder de extrema direita Jean-Marie Le Pen
para o segundo turno da eleição
presidencial francesa, porém um
fato é irrefutável: direta ou indiretamente, ele existe e tem influência sobre a cena política do país.
Raposa velha da extrema direita
e afilhado político de Pierre Poujade -líder populista e antieuropeu dos anos 50 e 60-, Le Pen
soube perceber o significado do
resultado apertado do plebiscito
sobre a adesão da França ao Tratado de Maastricht (1992, que reformou diversas instituições européias e criou o euro), de acordo
com analistas ouvidos pela Folha.
Pela primeira vez desde a assinatura do Tratado de Roma, em
1957 -quando foi firmado o Tratado Constitutivo da Comunidade Européia-, esse plebiscito
propiciou aos opositores da integração européia um fórum de discussão e uma oportunidade para
organizar suas ações. Após uma
acalorada campanha, 51,05% dos
votantes aprovaram Maastricht.
"No pleito do último domingo,
por volta de 40% dos eleitores votaram em candidatos declaradamente anti-União Européia [UE].
Isso constitui uma porcentagem
um pouco inferior à do "não" a
Maastricht, que foi de pouco menos de 49%. Oportunista, Le Pen
percebeu que esses 49% eram
uma clientela eleitoral que ninguém conseguia atrair e intensificou seus ataques à UE", analisou
Dominique Reynié, do Instituto
de Estudos Políticos de Paris.
Ademais, segundo Christian Lequesne, diretor-adjunto do Centro de Estudos e de Pesquisas Internacionais, de Paris, exceto jovens desempregados, o eleitorado
de Le Pen "provém sobretudo das
faixas etárias mais avançadas da
população", terreno propício para a disseminação de medos. Com
isso, temas como a insegurança e
a aversão à UE ganham força.
Assim, os eleitores de Le Pen são
geralmente aposentados ou desempregados, pessoas "decepcionadas com o marasmo que tomou conta dos partidos tradicionais e da sociedade", de acordo
com Anne-Marie Le Gloannec, do
Centro Marc Bloch, um instituto
de pesquisas situado em Berlim.
"A busca pelo voto de centro provocou uma forte uniformização."
Restam, todavia, dúvidas cruciais sobre o sentimento antieuropeu: o que exatamente temem as
pessoas que o nutrem e o que pode fazer o bloco europeu para
combater o crescimento desse fenômeno. Este, para Josep Piqué,
chanceler da Espanha -que ocupa a presidência da UE até o final
de junho-, tem de ser debatido
"em âmbito comunitário".
"Com frequência, a UE é confundida com a globalização, pois
muitas de suas ações são relacionadas à abertura de mercados ou
à diminuição de subvenções, por
exemplo. Isso fornece munição a
candidatos populistas, que insistem na tecla da "distância existente entre Bruxelas e Paris'", explicou Jean Chiche, do Centro de Estudo da Vida Política Francesa.
Uma prova dessa assimilação é
que a integração européia não foi
tratada diretamente na campanha
eleitoral. "Os partidos tradicionais não tinham discutido o tema
até o último domingo. Contudo,
indiretamente, a UE fez parte da
campanha. Afinal, muito foi dito
sobre o papel da França no mundo e na Europa e sobre a globalização", apontou Le Gloannec.
Além disso, algumas decisões
européias realmente afetam o cotidiano das populações -muitas
vezes, negativamente. Na França,
há o caso dos caçadores de um tipo de pássaro que foram proibidos de caçar porque se tratava de
pássaros migratórios -e sua
morte prejudicava o ecossistema
de uma região da Espanha. No
Reino Unido, os pecuaristas não
gostaram nada de ter de sacrificar
seus animais suspeitos de ter contraído o mal da vaca louca.
Mesmo assim, para Lequesne,
muitos eleitores de Le Pen não conhecem o impacto que a saída da
França da UE, como preconiza o
candidato, teria sobre sua economia. "As pessoas nem imaginam
os danos que essa medida acarretaria. Por exemplo, os agricultores
deixariam de receber fundos da
Política Agrícola Comum e ficariam fragilizados ante a concorrência externa", analisou.
Déficit democrático
É irrefutável que o bloco europeu sofre um déficit democrático.
Afinal, a maior parte de suas decisões relevantes é tomada por
membros dos Executivos nacionais. "O principal órgão decisório
da UE é o Conselho de Ministros,
que, obviamente, é composto pelos ministros de cada país. Outra
instituição de peso é a Comissão
Européia, cujos membros também não são eleitos de modo direto", indicou Le Gloannec.
"Assim, é preciso que esse déficit democrático seja debatido na
Convenção sobre o Futuro da Europa, que definirá o formato do
bloco após sua expansão para o
leste do continente. Senão os políticos populistas continuarão a dizer que Bruxelas só atrapalha a vida dos cidadãos", acrescentou.
Anteontem, o presidente da Comissão Européia, Romano Prodi,
afirmou que a crise francesa era
um "choque necessário".
Para Lequesne, a classe política
tradicional também é responsável
pelo uso do sentimento antieuropeu pelos extremistas. "Ninguém
fala bem da UE. O sucesso da introdução do euro, por exemplo,
quase não foi mencionado pelos
candidatos "democráticos". Esse
erro permitiu que uma visão distorcida da UE fosse propagada."
Em vários países europeus, esse
quadro preocupa, já que partidos
de extrema direita têm encontrado respaldo popular e, portanto,
obtido vitórias eleitorais. A Áustria e a Itália, por exemplo, contam com extremistas anti-UE em
suas coalizões governamentais.
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