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VENEZUELA
Para analista, reação dos EUA ao golpe contra Chávez indica que grupo anti-Fidel sequestrou a política do país para a região
Bush falha em seu primeiro teste na AL
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
O governo do presidente George W. Bush atrapalhou-se no primeiro grande teste de sua política
para a América Latina. Essa é a
opinião unânime de embaixadores e de analistas em Washington
consultados pela Folha sobre a
reação polêmica dos EUA ao fracassado golpe na Venezuela.
Na última sexta-feira, a segunda
maior autoridade do Departamento de Estado responsável pela
política dos EUA para a região, Lino Gutierrez, afirmou que tal opinião é injusta e "conspiratória".
"Os EUA não participaram do
golpe nem aceitaram as ações inconstitucionais tomadas por
aqueles que tentaram depor o
presidente (Hugo) Chávez", disse
à Folha. "Achar que os EUA patrocinaram o golpe é uma teoria
conspiratória sem qualquer fundamento".
No entanto, diplomatas latino-americanos dizem ter presenciado fatos que, segundo eles, ferem
a credibilidade do discurso com
que Bush se dirige aos países do
hemisfério desde que assumiu o
poder, em janeiro de 2001. Esse
discurso, baseado na defesa do
comércio livre e da democracia
como princípios inseparáveis e
fundamentais, teria sido manchado logo nos primeiros momentos
do golpe na Venezuela.
Os EUA dizem que não condenaram o golpe desde o primeiro
momento porque achavam que
Chávez havia renunciado. Também argumentam que nenhum
dos fatos divulgados até agora
prova a participação direta da Casa Branca no golpe.
No entanto, para alguns embaixadores latino-americanos em
Washington, essas explicações
não são suficientes para apagar a
maneira com a qual o subsecretário de Estado para a América Latina, o cubano-americano Otto
Reich, abordou o problema durante reunião de emergência realizada no dia 12 de abril (um dia
depois do golpe e um dia antes de
Chávez voltar ao poder).
Nem todos os embaixadores
participaram. A Folha conversou
com três que estavam presentes.
Segundo eles, foi lida uma proposta classificando a troca de governo na Venezuela como uma
ruptura da ordem democrática.
Após ouvi-la, Reich teria respondido: "Não foi ruptura de ordem
democrática, foi renúncia. O presidente renunciou e outro assumiu o cargo. Foi simples assim."
Quando diplomatas tentaram
convencê-lo de que um presidente eleito não pode ser forçado a
sair do poder naquelas circunstâncias, Reich teria feito uma segunda intervenção: "Como não?
Tem país na região que teve cinco
presidentes em uma semana."
Para os presentes, foi uma referência indelicada e equivocada à
Argentina, país que também tinha um representante na reunião
e que passa por série crise financeira. Incomodados, vários embaixadores disseram a Reich que
as raízes da instabilidade política
nos dois países são distintas, e que
as trocas de governo na Argentina, embora preocupantes, obedeceram à ordem constitucional.
Reich teria se expressado como
se os problemas da América Latina fossem os mesmos da década
de 80 e como se, em vez de proteger a ordem democrática, a prioridade da Casa Branca fosse substituir governos de orientação de
esquerda por administrações favoráveis à Casa Branca.
Da mesma maneira que Lino
Gutierrez, Reich deixou Cuba ainda jovem. Nos anos 80, durante o
governo Reagan, trabalhou para a
queda do governo sandinista da
Nicarágua, no que depois ficou
conhecido como o escândalo Irã-contras. Foi empossado por
George W. Bush em janeiro passado por meio de uma brecha legal, já que os democratas, que são
maioria no Senado, haviam bloqueado sua nomeação.
"Se existia uma política de Bush
para a América Latina, ela foi sequestrada por um grupo de cubano-americanos cuja única prioridade é derrubar Fidel Castro",
disse à Folha Larry Birns, diretor
do Conselho de Assuntos do Hemisfério, que estuda as relações
entre os EUA e a AL.
Segundo ele, essas autoridades
teriam aumentado a oposição a
Chávez porque o presidente venezuelano aproximou-se de Fidel,
passando a vender petróleo barato a Cuba. Birns diz que, dos dez
mais altos funcionários do governo Bush para a América Latina,
sete são cubano-americanos que
nunca esconderam sua obsessão
anti-Castro.
Gutierrez nega veementemente
que o ódio a Castro esteja guiando
a política dos EUA para a América
Latina. "Derrubar Castro não é
uma obsessão para mim nem para o governo dos EUA, embora o
regime em Cuba seja uma vergonha para o hemisfério", disse ele.
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