São Paulo, sábado, 28 de agosto de 2004

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ANÁLISE

Acordo tem chance de funcionar

PATRICK COCKBURN
DO "INDEPENDENT"

As tréguas no Iraque são conhecidas por serem frágeis, mas o acordo para pôr fim aos combates em Najaf pode funcionar porque foi avalizado pelo grão aiatolá Ali al Sistani, o mais poderoso líder religioso do Iraque.
Já está ficando claro quem são os vencedores e os perdedores na crise em Najaf. A maior perdedora é a população de Kufa e Najaf, que viu suas cidades sendo devastadas.
O principal vencedor é o grão-aiatolá Sistani, que mostrou que ele, e apenas ele, possui a autoridade necessária entre os iraquianos para encerrar as batalhas. A lição a ser tirada disso pelos EUA e o Reino Unido é que, se ignorarem Al Sistani, o farão por conta e risco próprios, e que precisam atender a sua exigência de eleições que resultem numa autoridade iraquiana legítima e digna de crédito.
Para Allawi, o resultado da crise, até agora, representa um revés. ""O fato de ele não ter conseguido vencer Al Sadr é uma derrota", diz o comentarista e historiador iraquiano Ghasan Attiyah. ""Se não podia eliminá-lo, por que entrou nesta crise em primeiro lugar?"
Dois meses depois de ter sido nomeado pelos EUA, Allawi vem estreitando sua base de apoio já limitada, em lugar de ampliá-la. Existem dentro de seu próprio gabinete sinais de divisão, e os partidos islâmicos não lhe deram apoio pleno em sua investida contra Najaf.
Os curdos, a única comunidade iraquiana que ainda é favorável à presença americana no Iraque, também se distanciaram do governo.
O problema para Allawi é que seu apoio mais importante é o Exército americano, mas essa é uma faca de dois gumes. A polícia, o Exército e a Guarda Nacional iraquianos são indisciplinados, pouco confiáveis e tendem, como foi visto em Kufa nos últimos dias, a disparar contra multidões de manifestantes.

Erros estratégicos
Não há dúvida quanto à força do Exército americano. Mas ele continua a comportar-se como se estivesse combatendo o Exército soviético.
Sua principal preocupação é manter suas próprias baixas ao mínimo, tanto assim que nem sequer contabiliza as baixas iraquianas. Em Najaf, as forças americanas demoliram qualquer construção desde a qual desconfiassem que estivessem saindo disparos.
Aviões americanos despejaram bombas de 450 quilos perto do santuário sagrado. Os americanos vêm matando iraquianos em grande número, e isso dificilmente vai ajudar a torná-los mais benquistos.
Al Sadr e seus milicianos talvez se retirem agora do santuário no centro de Najaf, mas conquistaram uma vitória pelo simples fato de terem sobrevivido. Até março, quando o enviado norte-americano Paul Bremer teve a idéia desastrosa de entrar num confronto com ele, Sadr era uma figura importante na política iraquiana, mas estava longe de ser alguém de peso central. Ao atacá-lo, os EUA conferiram credibilidade a seu misto de nacionalismo e religião.
O grão aiatolá Ali al Sistani sai da crise com sua autoridade fortalecida. Allawi sofreu uma derrota e mostrou sua fraqueza, mas não caiu, como esperavam alguns de seus adversários.
O historiador Attiyah argumenta que a única solução real para a crise permanente no Iraque seria que os EUA e seus aliados ""convencessem os iraquianos de que haverá eleições livres que vão resultar num governo legítimo".


Tradução de Clara Allain


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