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São Paulo, domingo, 28 de setembro de 2003

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IRAQUE OCUPADO

Clima de liberdade de expressão estimula surgimento de novos veículos e aquece debate sobre regulação

Mídia iraquiana vive surto pós-Saddam

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A mídia iraquiana está há quase seis meses numa situação meio caótica. O que é bom sinal. As estimativas sobre o número de novos jornais oscilam de 80 a 400.
Equipes de jornalistas e técnicos que saquearam as instalações do regime deposto colocaram em funcionamento precário emissoras regionais de rádio e TV. Existe a IMN (Rede Iraquiana de Mídia), patrocinada pelos norte-americanos, com boa tecnologia e possivelmente menor credibilidade.
A deposição do ex-ditador Saddam Hussein trouxe um clima de liberdade de expressão atestado por três recentes pesquisas independentes: o da organização Repórteres Sem Fronteiras, o da Rádio Nederlands, emissora pública holandesa, e o da Royal Television Society, entidade britânica.
Paul Bremer, o administrador americano, baixou em junho um decreto em que ameaçava de fechamento órgãos da mídia que incitassem o ódio racial, étnico ou religioso. O decreto já foi aplicado duas vezes: contra uma rádio e contra o jornal "Al Mustakilla".
Além disso, na última terça-feira, o Conselho de Governo Iraquiano suspendeu temporariamente o acesso das TVs árabes Al Jazira e Al Arabiya a imóveis e a eventos do governo, alegando que "encorajaram o terrorismo".
Os episódios são vistos como isolados. Não há campanha internacional contra a "censura" dos EUA. Prevalece a discussão sobre a necessidade de regras estáveis de funcionamento da mídia.
Bremer instalou há dias uma comissão de imprensa vinculada ao Ministério das Comunicações. A comissão é dirigida por Simon Haselock, diplomata da ONU, e subordinada ao ministro e, é claro, à administração americana.
O problema consiste basicamente em evitar que o caldeirão étnico (curdos contra árabes) ou muçulmano (xiitas contra sunitas) não tenha seu fogo alimentado por um estilo panfletário de jornalismo. Há também normas empresariais e de repartição do espectro hertziano.
Os Repórteres Sem Fronteiras notam que os jornalistas são, em geral, comedidos. Acostumados a obedecer nos tempos de Saddam, usam hoje com muita parcimônia a liberdade de que dispõem. Com o fim da censura criaram quatro bons jornais e ainda semanários de economia e cultura.
Há o "Al Adala", ligado aos xiitas, o "Taakhi", dos curdos de esquerda, o "Assaman", dirigido por Saad El Bazzaz, ex-diretor da TV estatal de Saddam e em seguida exilado no Reino Unido.
Durante a ditadura, a produção e a difusão de programas de rádio e televisão eram extremamente centralizada em Bagdá. A destruição, durante a guerra, da infra-estrutura de retransmissão impediu a reconstituição dessa rede.
No lugar dela há "a televisão dos americanos", como é chamada a IMN, captada num raio de 70 km ao redor da capital. Ela transmite seis horas diárias de programação. Seu primeiro diretor, o ex-exilado Ahmad Rikabi, demitiu-se há dois meses e acusou os EUA de não investirem o suficiente. Mas foram também outras as divergências. Rikabi recomendava a transmissão abundante de versos do Alcorão, do que a administração americana discordava.
Em Bagdá é também captada a Al Alam, TV iraniana em árabe, e mais duas estações curdas. Entre as rádios, além das precárias locais, há a BBC em árabe e a TMC, rede privada francesa com boa implantação no Oriente Médio.
A ditadura deposta proibia antenas parabólicas. Elas hoje são objeto de um amplo comércio. Custam em torno de US$ 120, uma quantia proibitiva para os mais pobres, mas que já se tornou para os mais ricos um bem de consumo essencial.

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