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Reforma agrária é novo front de Morales
Toma de terra com apoio do presidente boliviano cria mais um foco de tensão com produtores da região mais rica do país
Reportagem da Folha faz
visita a acampamento do MST que inaugurou projeto
e acompanha embate entre sem-terra e produtores
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL
A GUARAYOS (BOLÍVIA)
Em meio à turbulência com
as multinacionais para implantar a nacionalização do gás e
com a oposição para destravar a
Assembléia Constituinte, o
presidente boliviano, Evo Morales, abriu mais um enorme
front político. Desta vez, na isolada região de Guarayos, cerca
de 260 km ao norte de Santa
Cruz -dos quais apenas 100
km são asfaltados. A origem do
impasse é o primeiro projeto de
reforma agrária do governo socialista -e o adversário, os
grandes produtores de soja do
departamento de Santa Cruz, o
mais rico do país.
Como no caso da nacionalização do gás, o pontapé inicial
foi dado com a ajuda do Exército, em 29 de agosto, quando soldados e policiais escoltaram a
entrada de cerca de 300 sem-terra ligados ao MST boliviano
-inspirado no homônimo brasileiro- nas fazendas La Madre
e La Isla (1.290 hectares), exploradas respectivamente por
Freddy Salazar e Carlos Paz.
"É um ato de abuso do Estado
e de tremenda injustiça, cujos
danos afetam o conjunto de
plantações em Santa Cruz, porque deixaram de receber crédito", disse à Folha Mauricio Roca, presidente da CAO (Câmara
Agropecuária do Oriente),
principal entidade do setor
agropecuário do país.
O projeto do governo Morales prevê um grande assentamento de 20 mil hectares, dos
quais 4 mil hectares serão administrados pelo governo por
se tratar de áreas úmidas e lagoas -a região, bastante plana,
lembra o Pantanal brasileiro. O
restante será dividido entre as
cerca de 300 famílias.
Disputa
A ação federal provocou imediata reação do governo de Santa Cruz, principal foco da oposição a Morales. Hoje, o governador Ruben Costas irá à mesma região de Guarayos, Província de Santa Cruz, lançar um
projeto de reforma agrária que
prevê a distribuição de 20 mil
hectares de terras -tamanho
igual a Morales- de grandes fazendeiros da região.
Um mês depois da ação do
governo, no entanto, parte das
famílias continua no acampamento montado na fazenda La
Madre, formado por cerca de
50 precárias choupanas.
"Vamos entrar quando colherem a soja", disse à Folha a
sem-terra Mariela Heredia, 20,
mãe de três filhos entre 2 e 5
anos, lembrando o compromisso do governo com os acampados. Casada com um trabalhador rural -o pagamento para
esse trabalhador é de R$ 6 por
dia-, era uma das poucas presentes no acampamento, sem
energia, água encanada ou escola para as dezenas de crianças. Os demais, diz, estavam
melhorando o acesso ao local.
Desconfiada e lacônica, ela
não escondeu a ansiedade ao
perguntar ao comandante Rodas, que acompanhou a reportagem, quando terminaria a colheita. "Não sei. Em dois, três
meses", responde Rodas. Junto
com outros 19 policiais, o subtenente estava na área havia 12
dias, quando a previsão inicial
era ficar apenas quatro dias.
Isolado e sem condução, o
contingente policial depende
da comida fornecida por Paz,
que emprestou os galpões da
fazenda para eles dormirem.
Evitar confrontos
A função da polícia, no momento, é evitar confrontos entre produtores rurais e sem-terra. Depois, serão eles os encarregados de promover a saída
dos fazendeiros, provavelmente no fim de dezembro.
Desocupação que, promete
Paz, não será sem resistência.
"Não vou deixar me tirarem [a
terra]", afirma o produtor em
sua casa de dois andares, em
Santa Cruz. Na parede, uma reprodução da Mona Lisa. No
chão, a pele de uma onça morta
na fazenda. "Defenderei com a
minha vida o que é meu." Além
da fazenda La Isla, onde tem
550 hectares de soja plantados,
ele cria gado em outra propriedade de 470 hectares no sul.
Paz alega que comprou as
terras legalmente em 1998 e
mostra documentos do Inra -o
Incra boliviano- para mostrar
que já ocupava a terra em 2004
quando, em auditoria, foi considerada "fiscal" (pública), ainda no governo Carlos Mesa.
Foi a convite de Paz que a reportagem visitou a região -as
despesas da viagem de 12 horas
entre a ida e a volta feita de caminhonete foram pagas pela
Folha. Ali, seus funcionários
mostraram os 7 km de barreiras de contenção de água, investimento que teria sido realizado por ele. De acordo com
ele, grande parte da fazenda é
inviável para um assentamento, pois fica até três metros embaixo d'água na época das chuvas. "Se fizerem casa lá, vão
morrer afogados", afirma.
Para Paz, a escolha da fazenda foi uma vingança contra sua
família, pois seu irmão, que tem
uma fazenda na região, sofreu
uma invasão, mas conseguiu
que a polícia retirasse os sem-terra, em 2005. O outro motivo
seria uma estratégia quase militar: "Essa região é importante
porque se unirá a San Julián,
onde o Evo tem um reduto. O
objetivo é cercar Santa Cruz."
O repórter FABIANO MAISONNAVE viajou
à cidade de Santa Cruz a convite da empresa
aérea Aerosur
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