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Pobreza e repressão nutrem fileiras do PKK
Na região curda da Turquia, onde desemprego é 5 vezes maior do que a média nacional, população é simpática a rebeldes
Candidatura do país à UE leva a maior abertura, mas ainda há violência contra curdos; negociação entre Ancara e Bagdá fracassa
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DIYARBAKIR (TURQUIA)
O ronco de um avião ecoa nos
céus de Diyarbarkir, onde fica a
base aérea da qual têm partido
os caças turcos que bombardeiam as bases dos guerrilheiros do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) na fronteira com o Iraque.
Abdullah lança um olhar indiferente para o alto e continua
a falar, acendendo um cigarro.
"Para nós essa nova ameaça de
guerra não muda muita coisa",
diz o professor curdo de inglês e
alemão. Desempregado, ele vive de trabalhos esporádicos como tradutor e guia turístico.
"Estamos em guerra com os
turcos há 30 anos."
Apesar do progresso recente
da Turquia, com crescimento
econômico na casa dos 7% e
fortalecimento de instituições
civis, os tabus permanecem, como o nome intocável do pai da
pátria, Kemal Ataturk, o papel
central do Exército e a negação
do genocídio armênio. Nenhum, porém, afeta a vida de
mais pessoas do que a "guerra"
contra os curdos.
Nas ruas de Diyarbakir, a capital não oficial da região curda
da Turquia, é fácil perceber do
que fala Abdullah. Embora 80%
das cerca de 500 mil pessoas sejam de origem curda, seu idioma não é ouvido nem está nos
letreiros. Falar curdo pode causar problemas, mesmo depois
da relativa abertura recente.
Há 13 códigos na lei do país
proibindo a expressão da identidade curda, como o idioma.
Os curdos somam 15 milhões, 20% do total da população turca, são originários do sudeste do país e compõem, em
sua maioria, o nível mais baixo
da escala social. Com a repressão em suas cidades e o alto desemprego, migraram em grande número para metrópoles do
oeste, como Istambul e Ancara,
onde têm principalmente trabalhos de baixa renda.
Em cidades como Diyarbakir, dezenas de pessoas passam
os dias nos cafés, à espera de
trabalho, enquanto bebem litros de chá e falam, com muito
cuidado, da simpatia que sentem pelo PKK. "Eles são nossos
irmãos, ninguém aqui jamais
vai negar apoio a eles", diz um
homem de cerca de 60 anos,
que se diz contador e se nega a
dizer o nome. "A pobreza também ajuda os guerrilheiros a recrutar jovens desiludidos. Sem
pátria e sem dinheiro, resta ir
para as montanhas lutar."
Enquanto a taxa de desemprego oficial da Turquia é de
10%, a média nas áreas curdas é
cinco vezes maior. No oeste,
onde está a maior parte das indústrias, os salários atingem níveis europeus. No sudeste, os
padrões são indianos.
Essa disparidade, para muitos economistas, é fruto de décadas de negligência por parte
do governo e dos 15 anos de luta
entre o Exército e os separatistas do PKK. Em 1999, o líder do
grupo, Abdullah Ocalan, foi
preso e declarou um cessar-fogo. Em 2004, porém, insatisfeito com a recusa do governo em
negociar uma anistia aos combatentes presos, o PKK retomou as ações, numa escalada
que levou à crise atual.
Embora os curdos tenham tido maiores liberdades nos últimos anos, sua identidade cultural ainda é negada pelo governo, que a considera uma ameaça à integridade do Estado.
Mas o mais grave é a violência. Segundo a Associação de
Direitos Humanos da Turquia
(ADH), na década de 90, os
anos de chumbo da repressão,
pelo menos 5.000 foram executados em regiões curdas e 3.680
aldeias curdas foram destruídas pelas forças de segurança.
"A questão da identidade cultural é grave, mas o mais urgente é que pessoas continuam
sendo mortas simplesmente
por serem curdas", diz a diretora da ADH, Reyhan Yalcindag.
Yalcindag conta que a candidatura da Turquia à União Européia ajudou a pressionar o
governo, mas que isso é insuficiente para restituir os direitos
dos curdos. Mehmet Akin, número dois do Partido Popular
Democrático (PPD), maior
agremiação política curda do
país, concorda.
"É preciso pressão interna",
diz Akin, que não nega as afinidades entre seu partido e o
PKK. "Nossa meta é a mesma,
defender os direitos curdos. Só
que com métodos diferentes."
Para Akin, por trás da ameaça do governo turco de invadir
o Iraque está mais do que o
combate ao PKK. "A Turquia
não tem petróleo, mas o Curdistão iraquiano tem, e muito",
diz ele, insinuando paralelo sobre a suposta motivação dos
EUA para invadir o Iraque.
Ontem, a Turquia considerou fracassadas as negociações
em Ancara com o ministro da
Defesa iraquiano, Abdel Qader
Jassim. Para o governo turco,
as propostas de Bagdá para reprimir o PKK em seu território
foram insuficientes. Mas, na
fronteira com o Iraque, não havia sinais de guerra e o trânsito
entre os dois lados era normal.
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