São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2007

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Pobreza e repressão nutrem fileiras do PKK

Na região curda da Turquia, onde desemprego é 5 vezes maior do que a média nacional, população é simpática a rebeldes

Candidatura do país à UE leva a maior abertura, mas ainda há violência contra curdos; negociação entre Ancara e Bagdá fracassa

MARCELO NINIO

ENVIADO ESPECIAL A DIYARBAKIR (TURQUIA)

O ronco de um avião ecoa nos céus de Diyarbarkir, onde fica a base aérea da qual têm partido os caças turcos que bombardeiam as bases dos guerrilheiros do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) na fronteira com o Iraque.
Abdullah lança um olhar indiferente para o alto e continua a falar, acendendo um cigarro. "Para nós essa nova ameaça de guerra não muda muita coisa", diz o professor curdo de inglês e alemão. Desempregado, ele vive de trabalhos esporádicos como tradutor e guia turístico. "Estamos em guerra com os turcos há 30 anos."
Apesar do progresso recente da Turquia, com crescimento econômico na casa dos 7% e fortalecimento de instituições civis, os tabus permanecem, como o nome intocável do pai da pátria, Kemal Ataturk, o papel central do Exército e a negação do genocídio armênio. Nenhum, porém, afeta a vida de mais pessoas do que a "guerra" contra os curdos.
Nas ruas de Diyarbakir, a capital não oficial da região curda da Turquia, é fácil perceber do que fala Abdullah. Embora 80% das cerca de 500 mil pessoas sejam de origem curda, seu idioma não é ouvido nem está nos letreiros. Falar curdo pode causar problemas, mesmo depois da relativa abertura recente. Há 13 códigos na lei do país proibindo a expressão da identidade curda, como o idioma.
Os curdos somam 15 milhões, 20% do total da população turca, são originários do sudeste do país e compõem, em sua maioria, o nível mais baixo da escala social. Com a repressão em suas cidades e o alto desemprego, migraram em grande número para metrópoles do oeste, como Istambul e Ancara, onde têm principalmente trabalhos de baixa renda.
Em cidades como Diyarbakir, dezenas de pessoas passam os dias nos cafés, à espera de trabalho, enquanto bebem litros de chá e falam, com muito cuidado, da simpatia que sentem pelo PKK. "Eles são nossos irmãos, ninguém aqui jamais vai negar apoio a eles", diz um homem de cerca de 60 anos, que se diz contador e se nega a dizer o nome. "A pobreza também ajuda os guerrilheiros a recrutar jovens desiludidos. Sem pátria e sem dinheiro, resta ir para as montanhas lutar."
Enquanto a taxa de desemprego oficial da Turquia é de 10%, a média nas áreas curdas é cinco vezes maior. No oeste, onde está a maior parte das indústrias, os salários atingem níveis europeus. No sudeste, os padrões são indianos.
Essa disparidade, para muitos economistas, é fruto de décadas de negligência por parte do governo e dos 15 anos de luta entre o Exército e os separatistas do PKK. Em 1999, o líder do grupo, Abdullah Ocalan, foi preso e declarou um cessar-fogo. Em 2004, porém, insatisfeito com a recusa do governo em negociar uma anistia aos combatentes presos, o PKK retomou as ações, numa escalada que levou à crise atual.
Embora os curdos tenham tido maiores liberdades nos últimos anos, sua identidade cultural ainda é negada pelo governo, que a considera uma ameaça à integridade do Estado.
Mas o mais grave é a violência. Segundo a Associação de Direitos Humanos da Turquia (ADH), na década de 90, os anos de chumbo da repressão, pelo menos 5.000 foram executados em regiões curdas e 3.680 aldeias curdas foram destruídas pelas forças de segurança.
"A questão da identidade cultural é grave, mas o mais urgente é que pessoas continuam sendo mortas simplesmente por serem curdas", diz a diretora da ADH, Reyhan Yalcindag.
Yalcindag conta que a candidatura da Turquia à União Européia ajudou a pressionar o governo, mas que isso é insuficiente para restituir os direitos dos curdos. Mehmet Akin, número dois do Partido Popular Democrático (PPD), maior agremiação política curda do país, concorda.
"É preciso pressão interna", diz Akin, que não nega as afinidades entre seu partido e o PKK. "Nossa meta é a mesma, defender os direitos curdos. Só que com métodos diferentes."
Para Akin, por trás da ameaça do governo turco de invadir o Iraque está mais do que o combate ao PKK. "A Turquia não tem petróleo, mas o Curdistão iraquiano tem, e muito", diz ele, insinuando paralelo sobre a suposta motivação dos EUA para invadir o Iraque.
Ontem, a Turquia considerou fracassadas as negociações em Ancara com o ministro da Defesa iraquiano, Abdel Qader Jassim. Para o governo turco, as propostas de Bagdá para reprimir o PKK em seu território foram insuficientes. Mas, na fronteira com o Iraque, não havia sinais de guerra e o trânsito entre os dois lados era normal.

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