São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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URUGUAI
A esquerda ameça monopólio do poder


O socialista Tabaré Vásquez (oposição) enfrenta hoje, no segundo turno das eleições presidenciais, o colorado Jorge Battle (governista) e tenta encerrar histórico de domínio dos dois partidos tradicionais no país; pesquisas dão empate técnico


SÉRGIO MALBERGIER
enviado especial a Montevidéu

Pela primeira vez, o Uruguai pode eleger hoje um presidente socialista. Tabaré Vázquez, 59, da coalizão de esquerda Frente Ampla-Encontro Progressista, está empatado nas pesquisas com Jorge Batlle, 72, do Partido Colorado, representante da mais tradicional família política uruguaia.
A tendência de alta de Batlle, porém, que vem subindo desde o pleito em primeiro turno, e o perfil dos cerca de 8% de indecisos, mais parecido com o do eleitor colorado, podem indicar um pequeno favoritismo do governista.
Vázquez e sua coalizão abocanharam boa parte do conservador eleitorado uruguaio com seu slogan "mudança à uruguaia", explodindo o sistema bipartidário do país, governado sempre por um membro do Partido Colorado ou do Partido Nacional (blanco), menos durante o regime militar (1973-85).
Sob a liderança desses partidos, o Uruguai transformou-se, na primeira metade do século, na "Suíça da América Latina". Apresentava índices sociais de países desenvolvidos, e sua liderança política tinha um respeito muito maior pelo bem-estar da população do que a de seus vizinhos.
Mas o sistema de bem-estar social começou a ruir já na década de 60, e foi para o brejo com a crise do começo dos anos 80. A volta da democracia elegeu presidente o colorado Julio María Sanguinetti (1985-90), seguido por Luis Alberto Lacalle (1990-95) e novamente Sanguinetti, cujo mandato acaba em 1º de março de 2000.
Sanguinetti e Lacalle domaram a inflação (previsão de 3,5% este ano) e acertaram as contas do governo. Até a queda do real, em janeiro, interromper três anos com média de crescimento do PIB de 4,5% com a redução das exportações para o Brasil (maior destino dos produtos uruguaios).
"A esquerda cresceu com seu discurso de coesão social, muito valorizada no Uruguai", diz o economista Gabriel Oddone (leia entrevista à página 1-31).
Mas a reação conservadora veio com força. Depois da sólida vitória de Vázquez no primeiro turno, em 31 de outubro, com 39% dos votos, o colorado Batlle, que teve 31,9%, recebeu o apoio do candidato blanco, Luis Alberto Lacalle, que ficou em terceiro lugar, com 21,5% da preferência dos 2,4 milhões de eleitores.
Enquanto a Frente Ampla-Encontro Progressista (que junta esquerda moderada, ex-guerrilheiros marxistas, democrata-cristãos, dissidentes dos partidos tradicionais e independentes) ainda festejava ter se tornado a maior força política do país, colorados e blancos, que já estão juntos no apoio ao governo Sanguinetti, costuraram uma nova aliança para uma eventual vitória de Batlle no segundo turno.
Com o apoio (às vezes discreto, outras explícito) dos maiores meios de comunicação, colorados e blancos centraram fogo na proposta de Vázquez de criar um imposto sobre a renda.
O candidato da esquerda reagiu na defensiva, dizendo que o imposto não passaria sem o apoio de parlamentares blancos e colorados. O voto do primeiro turno foi casado, com os partidos obtendo no Congresso a mesma proporção de votos de seus candidatos à Presidência (blancos e colorados terão mais de 50% das cadeiras).
Mesmo se as urnas condenarem a esquerda uruguaia a pelo menos mais cinco anos na oposição, darão ao seu candidato um peso que nunca teve na política do país. Até os conservadores mudam, ainda que lentamente.


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