São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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ENTREVISTA
Para economista, novo presidente terá de recompor competitividade perdida com a desvalorização do real
Economia é desafio para o novo governo

do enviado especial a Montevidéu

O próximo presidente uruguaio, independente de quem ganhe a eleição hoje, terá como principal desafio recompor a competitividade da economia uruguaia, perdida com a desvalorização do real (o Brasil é o maior comprador dos produtos uruguaios), sem comprometer a estabilidade alcançada ao longo da década.
A opinião é do economista Gabriel Oddone, um dos mais respeitados do país, professor da Universidade da República.
(SÉRGIO MALBERGIER)

Folha - Como a eleição de Vázquez afetaria a economia?
Gabriel Oddone -
A economia uruguaia enfrenta em 99, e enfrentará no ano 2000, o impacto da desvalorização do real. O maior desafio é recompor a competitividade internacional, sem afetar a estabilidade.
Será o primeiro desafio econômico do próximo governo e o principal objetivo de sua política econômica. Com as estreitas margens com que o país conta nas áreas cambial e fiscal, as diferenças entre os governos não seriam substanciais. Por isso, creio que o resultado eleitoral não significará algo dramático para a política econômica.

Folha - Mas a esquerda não pode assustar investidores estrangeiros e empresários locais?
Oddone -
Uma coisa é como será o governo. Outra, a reação dos agentes econômicos diante do resultado eleitoral. Uma vitória da esquerda, que nunca governou o país, deve causar uma incerteza maior. Assim, teríamos no começo de 2000 um cenário de maior incerteza e prudência dos agentes econômicos.
Com seu esclarecimento, isso seria atenuado. No médio prazo, o resultado eleitoral não deve ter impacto importante. Mas, no curto prazo, pode ter.

Folha - Vázquez diz que a economia deve trabalhar para as pessoas, não para os índices. O que seria isso na prática?
Oddone -
Há no Uruguai uma leitura dupla da situação econômica dos últimos anos. Nenhum economista pode negar que o país melhorou sua capacidade de obter recursos. É uma economia que se abriu, se tornou mais produtiva e competitiva. O país fez uma forte aposta na eficiência.
O processo gerou ganhadores e perdedores. Alguns setores da população, como os mais jovens e bem educados, ligados a serviços como os financeiros, ganharam. Pessoas acima dos 40 anos, com pouca instrução, da área industrial ou do funcionalismo público federal, perderam.
Nossa economia é muito mais eficiente do que há 20 anos, e a distribuição de renda não piorou na década de 90, ao contrário dos outros países da região. Mas o setor mais pobre da classe média não aumentou sua renda, enquanto outros setores enriqueceram.
O que a esquerda tenta transmitir é que, com maior eficiência e competitividade econômica, não se deve descuidar da coesão social, muito valorizada no Uruguai.

Folha - A estabilidade e o equilíbrio do governo Sanguinetti estariam ameaçados com uma vitória da esquerda?
Oddone -
No momento, já temos uma piora nas contas públicas por causa da desvalorização cambial brasileira. A esquerda, se vencer, deverá aumentar a ação social do governo, com maior tendência de mais gastos públicos. Mas seus porta-vozes insistem que a manutenção da estabilidade é um objetivo da esquerda.
E, portanto, o aumento dos gastos não deveria ocorrer em detrimento da situação fiscal, mas com redução de gastos em outros setores. Mas isso ainda é obscuro.
O Uruguai, creio, resolveu em 95 um grande problema de déficit fiscal de longo prazo, com a reforma da previdência social. O país tem uma história de prudência no manejo da coisa pública e nos aspectos fiscais.
Por isso, não creio que a estabilidade fiscal a longo prazo esteja ameaçada com políticas expansivas do gasto público sem financiamento. Há uma geração de uruguaios que aprendeu a ter muito medo desse tipo de comportamento dos governos.

Folha - Como o sr. vê a idéia de moeda única no Mercosul?
Oddone -
Aqui no Uruguai temos a sensação de ter dois vizinhos muito grandes e poderosos, nossos principais parceiros comerciais, mas que são muito instáveis. Por isso, em geral, temos muita cautela em nos comprometer a longo prazo de forma profunda.
Mas acreditamos que, mais cedo ou mais tarde, se o Mercosul se consolidar como um bloco regional, a moeda única será discutida. Achamos, porém, que ainda é muito cedo. A situação fiscal brasileira e argentina parece ainda muito instável e precisa ser resolvida.

Folha - O Uruguai pode escapar da dependência dos vizinhos, aproximando-se de países do norte, ou está destinado geograficamente a associar-se com Brasil e Argentina?
Oddone -
A estratégia de abertura comercial uruguaia desde os anos 70 convergiu rapidamente à dependência do comércio com o Brasil e a Argentina. O Mercosul surgiu nos anos 90, mas desde os 70 existiam acordos aduaneiros que determinaram uma especialização da produção uruguaia para penetrar nesses mercados. As políticas cambiais locais também encareceram os produtos da região em relação ao resto do mundo, fortalecendo o comércio inter-regional. Por isso, acho que o Uruguai seguirá fortemente atado à região, e o melhor é que a situação de Brasil e Argentina se estabilize.


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