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Governadores anti-Morales prometem parar Bolívia
Greve de um dia hoje deve isolar La Paz do leste do país; vôos foram cancelados
"Por que Santa Cruz não declarou autonomia quando era governo?", diz governista, em referência ao Estado mais rico do país
FLAVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ
A Bolívia terá hoje mais um
round da queda-de-braço entre
governos regionais e o presidente Evo Morales que se arrasta desde que o esquerdista
chegou ao poder, há quase dois
anos.
Seis dos nove departamentos
(Estados) do país, incluindo o
pólo econômico de Santa Cruz,
anunciaram paralisação de 24
horas para protestar contra a
aprovação do texto geral da nova Carta boliviana, que consideram ilegal, e em solidariedade às vítimas dos confrontos na
cidade de Sucre, que deixaram
três mortos no fim de semana.
A greve já havia começado
ontem no departamento de
Pando e abrangerá hoje, além
de Santa Cruz, Beni, Tarija, Cochabamba e Chuquisaca, cuja
capital é Sucre. É a terceira greve "cívica" do ano, convocada
pelos dirigentes da oposição
nas regiões e pelos Comitês Cívicos, entidades que reúnem a
elite econômica dos departamentos do leste do país.
Autonomia
O movimento opositor, que
desconhece o texto aprovado
pela Assembléia Constituinte
no sábado, sem a presença da
oposição e em um quartel militar, lançou um documento com
sua proposta ao país. É a "Carta
de Autonomia", que prega que
os departamentos devem ter liberdade para usar os recursos
repassados pelo governo.
"La Paz não pode decidir onde devemos construir hospitais
ou colocar ônibus. O caminho
da democracia é a descentralização", disse à Folha ontem Gabriel Dabdoub, integrante do
Comitê Cívico e presidente da
poderosa Cainco, a Fiesp de
Santa Cruz. O departamento,
pólo industrial e agropecuário,
é responsável por 35% do PIB
do país, segundo Dabdoub.
"O Brasil é uma federação e
nem por isso está dividido. É isso o que queremos", comparou.
O dirigente não quis estimar
de quanto será o prejuízo para
os negócios e para a arrecadação pública com as 24 horas de
paralisação. "Não é um valor
econômico, é valor cívico."
A paralisação já provocou o
cancelamento de vôos entre La
Paz e as capitais em greve da
principal empresa aérea, a Aerosur. A julgar pelos protestos
anteriores, a greve deve isolar,
por via terrestre, as ligações de
La Paz com Santa Cruz e Cochabamba. Nas edições anteriores, postos de instituições
federais foram ocupados por
manifestantes.
O movimento também é um
protesto pelo projeto governista que pretende financiar um
programa de transferência de
renda a idosos com recursos do
Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos, dividido com os governos regionais (leia texto
nesta página). Os governadores
afirmaram que não respeitarão
a medida, se aprovada, e convocaram "desobediência civil".
Ontem, Dabdoub negou que
os departamentos pretendam
declarar "autonomia de fato"
-desrespeito ao governo nacional- hoje.
Jogo de forças e golpismo
A greve deve afetar majoritariamente as zonas urbanas, já
que no campo é forte a presença de apoiadores do governo.
"Não se pode falar de um departamento em greve. O campo, que está conosco, não vai
parar", disse Isaac Avalos, deputado governista e presidente
da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB).
Para o governo, a paralisação
é a "guerra econômica" travada
pelos departamentos ricos para
derrubar Morales. Texto da
agência oficial de notícias comparava o movimento a estratégias desestabilizadoras em Cuba pós-revolução de 1959.
O líder da bancada do governista MAS (Movimento ao Socialismo) na Câmara, Gustavo
Torrico, ironizou o movimento: "Por que eles não param por
mais dias? Só um? No outro dia
todo mundo esquece. Eles não
param porque estão no meio da
colheita e porque Santa Cruz é
a porta de entrada dos importados, principalmente do Brasil.
Os empresários podem se voltar contra eles", disse.
"Libertinagem"
Para o deputado, os departamentos querem "libertinagem". "Querem eles mesmo
criar impostos e se autofiscalizar", diz. "Por que Santa Cruz
não declarou autonomia quando era governo? Não o fez porque tinha acesso livre à caixa federal, com empréstimos sucessivos que eram perdoados depois. Mas isso acabou. Eles reclamam porque perderam o poder político e econômico que tiveram durante décadas."
O governo diz que a nova
Carta garantirá autonomia aos
departamentos -mas não nos
temas de segurança nem nas
diretrizes de políticas de educação e saúde. Os grevistas dizem
que a autonomia que o governo
propõe "é mais um engano".
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