São Paulo, quarta-feira, 28 de novembro de 2007

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Governadores anti-Morales prometem parar Bolívia

Greve de um dia hoje deve isolar La Paz do leste do país; vôos foram cancelados

"Por que Santa Cruz não declarou autonomia quando era governo?", diz governista, em referência ao Estado mais rico do país

FLAVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A LA PAZ

A Bolívia terá hoje mais um round da queda-de-braço entre governos regionais e o presidente Evo Morales que se arrasta desde que o esquerdista chegou ao poder, há quase dois anos.
Seis dos nove departamentos (Estados) do país, incluindo o pólo econômico de Santa Cruz, anunciaram paralisação de 24 horas para protestar contra a aprovação do texto geral da nova Carta boliviana, que consideram ilegal, e em solidariedade às vítimas dos confrontos na cidade de Sucre, que deixaram três mortos no fim de semana.
A greve já havia começado ontem no departamento de Pando e abrangerá hoje, além de Santa Cruz, Beni, Tarija, Cochabamba e Chuquisaca, cuja capital é Sucre. É a terceira greve "cívica" do ano, convocada pelos dirigentes da oposição nas regiões e pelos Comitês Cívicos, entidades que reúnem a elite econômica dos departamentos do leste do país.

Autonomia
O movimento opositor, que desconhece o texto aprovado pela Assembléia Constituinte no sábado, sem a presença da oposição e em um quartel militar, lançou um documento com sua proposta ao país. É a "Carta de Autonomia", que prega que os departamentos devem ter liberdade para usar os recursos repassados pelo governo.
"La Paz não pode decidir onde devemos construir hospitais ou colocar ônibus. O caminho da democracia é a descentralização", disse à Folha ontem Gabriel Dabdoub, integrante do Comitê Cívico e presidente da poderosa Cainco, a Fiesp de Santa Cruz. O departamento, pólo industrial e agropecuário, é responsável por 35% do PIB do país, segundo Dabdoub.
"O Brasil é uma federação e nem por isso está dividido. É isso o que queremos", comparou.
O dirigente não quis estimar de quanto será o prejuízo para os negócios e para a arrecadação pública com as 24 horas de paralisação. "Não é um valor econômico, é valor cívico."
A paralisação já provocou o cancelamento de vôos entre La Paz e as capitais em greve da principal empresa aérea, a Aerosur. A julgar pelos protestos anteriores, a greve deve isolar, por via terrestre, as ligações de La Paz com Santa Cruz e Cochabamba. Nas edições anteriores, postos de instituições federais foram ocupados por manifestantes.
O movimento também é um protesto pelo projeto governista que pretende financiar um programa de transferência de renda a idosos com recursos do Imposto Direto sobre Hidrocarbonetos, dividido com os governos regionais (leia texto nesta página). Os governadores afirmaram que não respeitarão a medida, se aprovada, e convocaram "desobediência civil".
Ontem, Dabdoub negou que os departamentos pretendam declarar "autonomia de fato" -desrespeito ao governo nacional- hoje.

Jogo de forças e golpismo
A greve deve afetar majoritariamente as zonas urbanas, já que no campo é forte a presença de apoiadores do governo. "Não se pode falar de um departamento em greve. O campo, que está conosco, não vai parar", disse Isaac Avalos, deputado governista e presidente da Confederação Sindical Única de Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB).
Para o governo, a paralisação é a "guerra econômica" travada pelos departamentos ricos para derrubar Morales. Texto da agência oficial de notícias comparava o movimento a estratégias desestabilizadoras em Cuba pós-revolução de 1959.
O líder da bancada do governista MAS (Movimento ao Socialismo) na Câmara, Gustavo Torrico, ironizou o movimento: "Por que eles não param por mais dias? Só um? No outro dia todo mundo esquece. Eles não param porque estão no meio da colheita e porque Santa Cruz é a porta de entrada dos importados, principalmente do Brasil. Os empresários podem se voltar contra eles", disse.

"Libertinagem"
Para o deputado, os departamentos querem "libertinagem". "Querem eles mesmo criar impostos e se autofiscalizar", diz. "Por que Santa Cruz não declarou autonomia quando era governo? Não o fez porque tinha acesso livre à caixa federal, com empréstimos sucessivos que eram perdoados depois. Mas isso acabou. Eles reclamam porque perderam o poder político e econômico que tiveram durante décadas."
O governo diz que a nova Carta garantirá autonomia aos departamentos -mas não nos temas de segurança nem nas diretrizes de políticas de educação e saúde. Os grevistas dizem que a autonomia que o governo propõe "é mais um engano".


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