São Paulo, sábado, 28 de novembro de 2009

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CLÓVIS ROSSI

A fila andou em Honduras


Brasil fez bem em fincar princípios sobre reconhecer a eleição de amanhã, mas agora é hora de "realpolitik"


EM UM DADO dia de 1973, já no seu terceiro período como presidente da Argentina, o general Juan Domingo Perón recebeu os líderes da Juventude Peronista, braço político do grupo armado "Montoneros" .
"Mi general", começaram os jovens, "seu governo está cheio de corruptos e fascistas".
Perón, de bate-pronto, respondeu: "Ah, meus filhos, se nos uníssemos apenas aos bons seríamos tão poucos".
Suspeito que a, digamos, doutrina Perón começa agora a valer para a posição do governo brasileiro em relação a Honduras. Até aqui, ficamos do lado do "bons", digamos assim. É correto repudiar golpes, é correto insistir para que o presidente deposto volte ao cargo, é correto afirmar que as eleições, para terem legitimidade, não podem ser feitas com um governo ilegítimo.
Ótimo, sou o maior fã de princípios. Se fosse chanceler da República, o Brasil só teria relações diplomáticas com democracias, o que nos conduziria ao desastre do isolamento presente na "doutrina Perón".
Mas insistir neles -e só neles-, quando a realidade vai em outra direção, é meramente marcar posição, o que vale para centro acadêmico, não para governos.
Qual é a realidade? Vai haver eleição amanhã em Honduras, sem Manuel Zelaya.
Insistir em negar a realidade contradiz, de resto, um lote de atos e palavras do próprio governo Lula.
Ou alguém acredita que o teor de democracia no Irã é mais elevado do que em Honduras? E Lula apressou-se em reconhecer a vitória de Mahmoud Ahmedinejad quando boa parte do mundo a contestava e as milícias do regime espancavam opositores nas ruas.
Para chegar mais perto: o Brasil não insiste, uma e outra vez, em romper o isolamento de Cuba? As eleições cubanas por acaso são mais legítimas do que as hondurenhas de amanhã?
De mais a mais, o mundo inteiro aprendeu, especialmente com o caso cubano, que sanções e o isolamento de um país só punem o tal de povo. Alguém acha que os irmãos Fidel e Raúl Castro, isolados pelos Estados Unidos há 50 anos, sofrem as penúrias pelas quais passa a sociedade cubana com o embargo norte-americano?
Alguém acha que, se o embargo norte-americano não derrubou os Castro, sanções a Honduras, ainda mais sem a participação norte-americana, funcionarão contra os governantes?
Marco Aurélio Garcia, o assessor diplomático de Lula, tem um argumento interessante para justificar o "não" às eleições: seria "branquear" o golpe.
É verdade, mas é só parte da verdade. A verdade inteira é que as eleições não foram convocadas pelos golpistas; estavam previstas desde sempre. Tampouco os candidatos foram impostos pelos golpistas. Eram os que já estavam, exceto um ou outro mais à esquerda.
Aliás, é bom lembrar que a candidata de Zelaya perdeu as primárias no partido deles, o Liberal. Ou seja, o "zelaysmo" não foi impedido de concorrer pelo golpe mas pela dinâmica interna do partido.
De novo, nada contra princípios. Mas, voltando a Perón, chegou a hora de reconhecer que "la realidad es la única verdad".


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