São Paulo, sábado, 28 de dezembro de 2002

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ARTIGO

Coréia do Norte atrai EUA para armadilha política

HOWARD FRENCH
DO "THE NEW YORK TIMES"

A decisão da Coréia do Norte de remover os controles internacionais sobre seus reatores nucleares e sobre um grande suprimento de combustível nuclear passível de ser usado para armas é tanto um desafio político quanto militar, segundo especialistas.
Por mais sério que isso possa parecer, porém, muitos analistas vêem outra ameaça nas ações arrogantes da Coréia do Norte, capaz de se materializar ainda mais cedo: um enfraquecimento da aliança formada há meio século entre a Coréia do Sul e os EUA.
Um novo presidente sul-coreano, inexperiente em diplomacia, vai assumir em fevereiro e quer relações mais estreitas com o país vizinho. Por trás das recentes ações de Pyongyang, os analistas detectam um desejo de tirar vantagem da nova disposição sul-coreana, em detrimento dos EUA, no momento mesmo em que os americanos passam por um período de popularidade muito baixa entre os sul-coreanos.
O comportamento norte-coreano claramente tem por objetivo aprofundar as brechas que já vêm tornando a relação sul-coreana com Washington frágil, e analistas dizem que o momento escolhido por Pyongyang não poderia ter sido mais melhor.
O governo Bush, que passou dois anos evitando iniciativas diplomáticas sérias com relação a Pyongyang, insiste em que não pode haver diálogo com a Coréia do Norte enquanto ela continuar violando seus importantes compromissos de controle de armas.
Para complicar as coisas, Washington vem concentrando suas atenções em uma possível guerra com o Iraque, o que permitiu que a Coréia do Norte agisse sabendo que seria difícil para os EUA encarar dois conflitos importantes a um só tempo.
Este ano viu grandes manifestações antiamericanas na Coréia do Sul, incitadas pela morte de duas estudantes atropeladas por um veículo militar americano. Os protestos revelaram um imenso ressentimento contra a presença militar americana e em relação ao que muitos sul-coreanos encaram como rebaixamento do país ao papel de um parceiro menor.
Ao mesmo tempo, o sentimento com relação à Coréia do Norte se atenuou: a população olha para os vizinhos mais com pena do que com medo e anseia ajudá-los.
O presidente eleito da Coréia do Sul, Roh Moo-hyun, que saiu vitorioso na semana passada em parte devido à força desses sentimentos, é um ardente advogado do envolvimento com a Coréia do Norte e prometeu agir com vigor em suas relações com os EUA.
O atual desafio da Coréia do Norte é parecido com a crise nuclear de 1994, quando o governo Clinton preparou planos para um ataque contra as instalações nucleares do país depois que Pyongyang decidiu reprocessar combustível nuclear gasto, ostensivamente para produzir bombas.
Algumas vozes em Washington já pedem que os EUA renovem sua ameaça de destruir a central nuclear da Coréia do Norte em Yongbyon. "O propósito da Coréia do Norte é transferir o combustível nuclear a vários pontos do país, onde poderá ser usado em armas. É uma maneira de nos dizer que não seria possível um ataque preventivo", disse Chuck Downs, autor de "Over the Line: North Korea's Negotiating Strategy" (além da linha: estratégia de negociação da Coréia do Norte).
"Temos de informar ao regime norte-coreano, de maneira muito clara, que isso é inaceitável", disse Downs. "E o governo Bush não quer fazê-lo porque estamos distraídos com o Iraque e queremos selecionar nossas batalhas."
Os críticos de um ultimato agressivo dizem que os mesmos obstáculos que convenceram o governo Clinton a não atacar a Coréia do Norte continuam válidos. Seul e mais de 30 mil soldados americanos estão ao alcance da artilharias da Coréia do Norte, dizem especialistas militares.
E mais: se Washington for adiante com uma abordagem mais agressiva, corre o risco de desgastar suas relações com Roh.
"Essa é exatamente a armadilha que está sendo preparada pela Coréia do Norte", disse Scott Snyder, representante da Asia Foundation na Coréia do Sul e autor de "Negotiating on the Edge: North Korean Negotiating Behavior" (negociando no limite: o comportamento norte-coreano em negociações). Snyder diz que sem a aquiescência de Seul, "um confronto custaria nossa aliança e poderia infligir danos a outros interesses regionais dos EUA".
"Os norte-coreanos não merecem essa vantagem, mas a oportunidade de dividir a aliança foi criada por dois anos de vacilação em nossa política sobre a Coréia, e o momento que eles escolheram é impecável", diz Snyder.
Embora alguns analistas tenham enfatizado a potencial ameaça militar das ações norte-coreanas, outros dizem que o comportamento do país, por mais alarmante que pareça, continua firmemente concentrado em atrair Washington de volta às negociações. O desejo frequentemente reafirmado pela Coréia do Norte é de obter garantias de segurança dos EUA.
"São passos sérios para produzir plutônio com fins bélicos, mas também são tentativas determinadas de nos fazer negociar", disse Donald Gregg, ex-especialista em Ásia da CIA. "Não acho que esses sujeitos sejam loucos. Como jogadores de pôquer, sempre tiveram capacidade de jogar bem com cartas ruins, e isso está acontecendo de novo."


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