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Assassinato deixa vazio político
Ataque expõe fracasso da política antiterror e mina abertura tímida
Liderança sobrevivente na oposição, o ex-premiê Sharif diz que seu partido não disputará pleito legislativo,
que poderá ser adiado
CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O assassinato de Benazir
Bhutto, duas vezes premiê e líder do maior partido da oposição paquistanesa, rasga -até
segunda ordem- o calendário
eleitoral e coloca em suspensão
o futuro do país. Com o retorno
dos principais líderes da oposição, o fim do estado de emergência e a aproximação das
eleições gerais, os paquistaneses vislumbravam uma abertura política. Mas o atentado de
ontem expõe a fragilidade do
Estado nacional.
Demasiadamente humana
-chamuscada por acusações
de corrupção e pela tentativa
de aliança com o ditador Pervez
Musharraf-, Benazir morreu
como mártir, símbolo de um
Paquistão ocidentalizado jurado de morte por radicais. Nas
ruas, o povo chora a líder do
PPP (Partido do Povo Paquistanês) com depredações de prédios públicos. Perdem o governo e a oposição.
"Não há nenhum substituto
com o talento e o carisma de
Benazir no PPP", analisou o
cientista político Rasul Rais, da
Universidade de Administração de Lahore, em entrevista
por telefone à Folha. Rais diz
que a legenda ficou acéfala sem
a centralizadora líder. O PPP se
beneficia da simpatia generalizada da população com as vítimas de atentados -que passaram de 550 nos últimos seis
meses-, mas pode se dividir
em disputas sucessórias.
Fora do partido tampouco
parece haver alternativas viáveis. O ex-premiê Nawaz Sharif, presidente da segunda
maior agremiação oposicionista, está inelegível.
Embora ainda lidere o PLM-N (Partido da Liga Muçulmana-Nawaz) e seja seu principal
cabo eleitoral, não preencherá
o vácuo de poder deixado por
Benazir, com quem ensaiara
uma frágil Aliança pela Restauração da Democracia. O flerte
de Sharif com o radicalismo islâmico no início da década de
1990 o torna pouco palatável
aos eleitores do laico PPP. Ele
disse ontem que voltará a defender o boicote às eleições.
Sharif desistira do plano "para
não abrir espaço para concorrentes", após o anúncio de que
Benazir seria candidata.
Quem matou?
O atentado de ontem levanta
suspeitas sobre a atuação da
ISI, a poderosa agência central
de inteligência do Paquistão
que monitora também a política interna. Há dois meses, após
escapar ilesa dos ataques que
mataram 140 pessoas que celebravam seu retorno, Benazir
culpou "dignitários do ex-ditador Mohammed Zia" (1977-88)
infiltrados na ISI pelas explosões. O ditador, que promoveu
a islamização da ISI, derrubou
em 1977 o então premiê Zulfikar Ali Bhutto, o pai de Benazir
e fundador do PPP.
Ainda envolvida nas negociações do jamais concluído acordo com Musharraf, Benazir evitou responsabilizar diretamente o governo. E, mais tarde,
amenizou de "certezas" para
"suspeitas" sua desconfiança
sobre a atuação da ISI.
O professor Rais diz que o
enigma que assola o Paquistão
não é policial, mas político. "É
impossível descobrir com certeza que grupo arquitetou o
atentado. A grande questão é
saber quem o PPP responsabilizará pela morte de Benazir."
Rehman Malik, assessor de
segurança de Benazir, questionou a proteção oferecida pelo
governo. Endossada por Sharif,
a tese de responsabilidade do
regime -por ação ou omissão-
ganha força, pouco importando
se figuras-chave do governo
também são alvo de atentados e
o próprio Musharraf sobreviveu a pelo menos dois deles.
"É um tempo triste, de muitas incertezas", lamenta Umayr
Hassan, 24, convertido ao ativismo democrático após o "golpe da reeleição" de Musharraf.
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