São Paulo, sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

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Assassinato deixa vazio político

Ataque expõe fracasso da política antiterror e mina abertura tímida

Liderança sobrevivente na oposição, o ex-premiê Sharif diz que seu partido não disputará pleito legislativo, que poderá ser adiado

CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O assassinato de Benazir Bhutto, duas vezes premiê e líder do maior partido da oposição paquistanesa, rasga -até segunda ordem- o calendário eleitoral e coloca em suspensão o futuro do país. Com o retorno dos principais líderes da oposição, o fim do estado de emergência e a aproximação das eleições gerais, os paquistaneses vislumbravam uma abertura política. Mas o atentado de ontem expõe a fragilidade do Estado nacional.
Demasiadamente humana -chamuscada por acusações de corrupção e pela tentativa de aliança com o ditador Pervez Musharraf-, Benazir morreu como mártir, símbolo de um Paquistão ocidentalizado jurado de morte por radicais. Nas ruas, o povo chora a líder do PPP (Partido do Povo Paquistanês) com depredações de prédios públicos. Perdem o governo e a oposição.
"Não há nenhum substituto com o talento e o carisma de Benazir no PPP", analisou o cientista político Rasul Rais, da Universidade de Administração de Lahore, em entrevista por telefone à Folha. Rais diz que a legenda ficou acéfala sem a centralizadora líder. O PPP se beneficia da simpatia generalizada da população com as vítimas de atentados -que passaram de 550 nos últimos seis meses-, mas pode se dividir em disputas sucessórias.
Fora do partido tampouco parece haver alternativas viáveis. O ex-premiê Nawaz Sharif, presidente da segunda maior agremiação oposicionista, está inelegível.
Embora ainda lidere o PLM-N (Partido da Liga Muçulmana-Nawaz) e seja seu principal cabo eleitoral, não preencherá o vácuo de poder deixado por Benazir, com quem ensaiara uma frágil Aliança pela Restauração da Democracia. O flerte de Sharif com o radicalismo islâmico no início da década de 1990 o torna pouco palatável aos eleitores do laico PPP. Ele disse ontem que voltará a defender o boicote às eleições. Sharif desistira do plano "para não abrir espaço para concorrentes", após o anúncio de que Benazir seria candidata.

Quem matou?
O atentado de ontem levanta suspeitas sobre a atuação da ISI, a poderosa agência central de inteligência do Paquistão que monitora também a política interna. Há dois meses, após escapar ilesa dos ataques que mataram 140 pessoas que celebravam seu retorno, Benazir culpou "dignitários do ex-ditador Mohammed Zia" (1977-88) infiltrados na ISI pelas explosões. O ditador, que promoveu a islamização da ISI, derrubou em 1977 o então premiê Zulfikar Ali Bhutto, o pai de Benazir e fundador do PPP.
Ainda envolvida nas negociações do jamais concluído acordo com Musharraf, Benazir evitou responsabilizar diretamente o governo. E, mais tarde, amenizou de "certezas" para "suspeitas" sua desconfiança sobre a atuação da ISI.
O professor Rais diz que o enigma que assola o Paquistão não é policial, mas político. "É impossível descobrir com certeza que grupo arquitetou o atentado. A grande questão é saber quem o PPP responsabilizará pela morte de Benazir."
Rehman Malik, assessor de segurança de Benazir, questionou a proteção oferecida pelo governo. Endossada por Sharif, a tese de responsabilidade do regime -por ação ou omissão- ganha força, pouco importando se figuras-chave do governo também são alvo de atentados e o próprio Musharraf sobreviveu a pelo menos dois deles.
"É um tempo triste, de muitas incertezas", lamenta Umayr Hassan, 24, convertido ao ativismo democrático após o "golpe da reeleição" de Musharraf.


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