São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Falta um plano para lidar com Hamas

CLAUDIA ANTUNES
EDITORA DE MUNDO

O bombardeio de Gaza, com a desproporcionalidade típica das operações militares israelenses, tem como objetivo tático declarado enfraquecer a capacidade armada do Hamas, matando milicianos e destruindo quartéis e estoques de munição. Israel pretende voltar assim a impor uma trégua nas fronteiras do território sem considerar a contrapartida, exigida pelo grupo islâmico para renovar a "calma" acertada em junho último, de que o fluxo de mercadorias e combustível fosse normalizado.
Mas o principal alvo estratégico do ataque israelense parece ser a eleição geral de 10 de fevereiro. A atual coalizão de governo, liderada pelo Kadima, da chanceler Tzipi Livni, e pelo Partido Trabalhista, do ministro da Defesa Ehud Barak, vinha sendo ameaçada pela ascensão nas pesquisas do ex-premiê Binyamin Netanyahu, do Likud. Netanyahu e seus potenciais aliados da extrema direita pregavam uma reação dura contra os lançamentos de foguetes de Gaza.
A estratégia tão circunstancial se impõe porque, como também é o caso com o Hizbollah libanês, Israel não tem um projeto de longo prazo para lidar com o Hamas. Para destruir o grupo islâmico, seria preciso voltar a ocupar Gaza, com a previsão de um número astronômico de vítimas civis e uma condenação internacional maior do que a provocada pelos atuais cerco econômico e isolamento físico do território onde vivem 1,5 milhão de palestinos.
Entre a maioria dos analistas israelenses, é consenso que todas as táticas já utilizadas contra o Hamas deram errado, quando não o fortaleceram.
Primeiro, foram os assassinatos em série de alguns de seus principais dirigentes, entre eles o líder espiritual, xeque Ahmed Yassin, alvejado de um helicóptero em 2004. Em seguida, veio a promoção do isolamento internacional do grupo, após sua vitória nas eleições legislativas de janeiro de 2006.
O problema é que os fatores que deram ao Hamas o voto de 44% dos palestinos persistem. Em primeiro lugar, a perda de credibilidade do Fatah do falecido líder Iasser Arafat, que nunca pôde entregar aos palestinos o Estado independente prometido no início dos anos 90, com os Acordos de Oslo discutidos em segredo com Israel.
A criação da Autoridade Nacional Palestina (ANP), sob hegemonia do Fatah, como um suposto estágio interino até o estabelecimento de um Estado em Gaza e na Cisjordânia, virou uma situação permanente crivada de dubiedades. Os dirigentes da ANP, receptores da ajuda internacional que sustenta a maior parte da população palestina, passaram a ser vistos como corruptos e muitas vezes autoritários.
A retirada unilateral de Gaza, promovida em 2005 pelo então premiê Ariel Sharon, sem negociações com a ANP, permitiu que o Hamas a apresentasse como vitória de sua resistência armada -assim como o Hizbollah tirou proveito político da retirada unilateral israelense do sul do Líbano.
O isolamento do Hamas por Israel, EUA e União Européia foi apresentado como meio de fortalecer o Fatah, que o aceitou com aparente bom grado. Essa política bloqueou negociações para um governo de união nacional palestino, promovidas por Qatar, e incentivou o episódio de guerra civil que culminou com a expulsão do Fatah de Gaza, em 2007. No mês passado, o Hamas abandonou o diálogo com os rivais mediado pelo Egito.
Não por acaso, esse abandono ocorreu no mesmo período em que se concluiu que o chamado "processo de Annapolis", mais uma rodada de negociações entre Israel e a ANP, promovida tardiamente pelo governo Bush, não funcionaria.
Oficialmente, Israel e EUA recusam negociações diretas com o Hamas -a "calma" vigente até o início do mês foi mediada pelo Egito- porque a carta fundadora da organização prega o fim do Estado judeu.
Mas analistas, tanto israelenses quanto americanos, vêem sinais de pragmatismo em declarações de alguns dirigentes do grupo favoráveis a uma trégua longa dentro das fronteiras de 1967, anteriores à Guerra dos Seis Dias, quando Israel ocupou a Cisjordânia e Gaza.
Mesmo Richard Haass e Martin Indik, dois especialistas americanos próximos das posições israelenses, recomendaram em artigo recente que os EUA se abram à possibilidade de aceitar um governo palestino que inclua o Hamas. Seria um dos caminhos que restam para revigorar a idéia dos dois Estados prometida na década passada, e que vem caindo em descrédito na opinião pública dos dois lados.


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