São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Sem poder mudar adversário, Israel reescreve regras do jogo

MARCELO NINIO
DE GENEBRA

A escala do ataque, o maior desde a guerra de 1967, e os alvos escolhidos deixam poucas dúvidas: o objetivo de Israel é bem mais ambicioso do que as operações "cirúrgicas" do passado: no máximo, tenta tirar o Hamas do poder; no mínimo, quer impor um novo cessar-fogo, sob as suas condições.
Mais de duzentos foguetes foram disparados de Gaza contra Israel desde que o Hamas declarou o fim da trégua de seis meses. A pressão em Israel vinha crescendo por uma retaliação e o governo decidiu aproveitar o momento para tentar mudar o status quo.
Com um pé fora do governo e coberto de suspeitas de corrupção, o desprestigiado premiê Ehud Olmert deu sinal verde para a ação, talvez o último ato de seu melancólico governo. Mas as atenções estão em seus dois principais ministros, Tzipi Livni e Ehud Barak, que são candidatos ao cargo de Olmert nas eleições de fevereiro.
A chanceler Livni já tinha endurecido o discurso nesta semana, em visita ao Cairo, ao dizer abertamente que pretende tirar o Hamas do poder se for eleita. Barak, por sua vez, é um dos arquitetos da operação iniciada ontem e quer provar que o país pode contar com sua experiência como ex-comandante do Exército.
Isso não significa aventuras desnecessárias. Barak sabe que o custo militar e político de reocupar a faixa de Gaza é alto demais e considera irrealista pensar em derrubar o Hamas neste momento, como defendem Livni e outros membros do gabinete. É também a chance de mostrar que o país tem um comando mais profissional que durante a guerra do Líbano, em 2006, quando mais de um mês de ataques não derrotaram o movimento fundamentalista Hizbollah.
Sem poder mudar o adversário em Gaza, Israel busca reescrever as regras do jogo. Admite a contragosto o poder do Hamas, mas avisa que não mais tolerará o disparo de mísseis. De nada adiantarão as previsíveis condenações da comunidade internacional contra a resposta "desproporcional". A idéia é exatamente mostrar que cada ataque contra Israel terá contra-ataque multiplicado e não poupará centros urbanos.
Mesmo isolado e sob cerco, o Hamas conseguiu conquistar o apoio da maioria da população desde que pegou em armas para assumir o controle de Gaza, há um ano e meio. Prova disso foram os milhares de simpatizantes que compareceram à festa pelos 21 anos de existência do grupo extremista, há menos de duas semanas.
Isso só aumenta a aversão israelense pela reocupação, embora não sejam poucos os que querem ver o Hamas longe do poder. "Israel nunca faria um ataque dessa magnitude sem o sinal verde de quem conta", disse o especialista em política islâmica Azzam Tamimi, comentarista da TV Al Jazeera.
"Neste caso, quem conta são os Estados Unidos, a União Européia e, provavelmente, o Egito e [a liderança palestina em] Ramallah".


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