|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Nos EUA, embargo perde apoio popular e motivação política
Sob Obama e Raúl, especialistas esperam relaxamento gradual de sanções
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
A poucos passos da missão de
Cuba na ONU, a esquina da rua
38 com a avenida Lexington,
em Nova York, era palco até
poucos anos atrás de vigílias e
protestos dos mais ferozes opositores a Fidel Castro nos EUA.
Mas a calmaria que hoje paira
sob a placa "Esquina Irmãos ao
Resgate" não é por acaso: reflete o crescente consenso, mesmo entre cubano-americanos,
sobre a necessidade de acabar
com o embargo econômico e
normalizar relações com a ilha.
As pressões pela mudança já
pesam sobre Barack Obama,
que dia 20 se tornará o primeiro presidente americano nascido após a Revolução Cubana e o
11º a lidar com o governo socialista em Havana. Ele prometeu
na campanha reduzir restrições a remessas de dinheiro a
partir dos EUA e de viagens de
cubano-americanos à ilha, mas
também negociar o embargo
para promover abertura democrática, sem gestos unilaterais.
Hoje, americanos com família imediata em Cuba podem visitar a ilha uma vez a cada três
anos por no máximo duas semanas, e, com autorização, levar à família até US$ 300 -antes de 2004, eram US$ 3.000.
Há pouca dúvida de que a crise econômica e o nó do Oriente
Médio afastam Cuba da lista de
prioridades do próximo governo. Mas, para o cubano-americano Maurício Font, da City
University de Nova York, "seria
um erro não relaxar o embargo
unilateralmente". "O alívio das
viagens e remessas é algo que
Obama pode fazer sem negociação. Para o embargo ele precisa do Congresso. Mas seria
um sinal à América Latina de
baixo custo político -não há
tanta gente contra isso-, de
que a posição dos EUA mudou."
Uma vantagem para Obama
negociar é chegar ao poder um
ano após a oficialização de Raúl
Castro no comando da ilha
-ambiente, para analistas, menos "tóxico" do que sob Fidel.
Até hoje, o núcleo da oposição à normalização de relações
esteve entre cubano-americanos da Flórida -Estado crucial
em eleições presidenciais- que
sofreram perseguições ou perderam dinheiro com a Revolução. A mudança geracional e a
falta de resultados do embargo,
porém, está alterando isso.
Pesquisa encerrada no último dia 1º pelo Instituto de Opinião Pública da Universidade
Internacional da Flórida constatou que 55% dos cubano-americanos do Estado são contra o embargo. Outros 66% são
a favor do fim das restrições de
viagem; 65% defendem o fim
do limite para envio de dinheiro; para 23%, o embargo funciona mal, e, para 56%, não funciona. A margem de erro é de
3,6 pontos para os dois lados.
De toda forma, diz Julia
Sweig, especialista em Cuba do
Council on Foreign Relations,
Obama não precisa, politicamente, dar satisfação aos cubano-americanos conservadores,
o que facilita a abertura. "Ele
ganhou no Estado sem o voto
desse grupo. Poderá começar a
pensar em uma política dos
EUA para Cuba, e não para o sul
da Flórida", afirmou à Folha.
Fora da Flórida
Fora do Estado, é ainda mais
difícil ver resistência -exceto
dos decanos do governo ressentidos da Guerra Fria. Eleito,
Obama ouviu pedidos de quase
todos os setores para mudar as
relações com Havana. Para
Sweig, porém, não será fácil.
"Os passos unilaterais que os
EUA poderão adotar inicialmente são limitados às restrições de viagens de famílias e
talvez uma mudança de tom.
Raul está disposto a se sentar
na mesa, então eu não esperaria do governo Obama uma remoção unilateral do embargo.
Tampouco espero encontros
entre chefes de Estado no começo do próximo governo."
Ao tocar no ponto das reuniões de líderes, emergem as
divergências entre Obama e
sua futura chanceler, Hillary
Clinton. A disposição dele para
encontros de alto nível com governos hostis foi criticada por
ela durante a disputa pela candidatura democrata. Hoje, porém, os especialistas deixam de
lado possíveis atritos no tema.
"Eles concordam muito mais
do que discordam a respeito do
movimento fundamental em
relação à ilha", diz Sweig. Para
Font, "Hillary sabe que é preciso coerência do governo e seguirá a política de Obama".
O analista diz que, se Hillary
for como o marido, haverá suavização da tensão. "No início do
governo de Bill Clinton (1993-2001), assim como sob o também democrata Jimmy Carter
(1977-81), houve tentativas de
reaproximação. Depois, com o
incidente dos aviões, Bill sofreu
muita pressão e assinou a lei
Helms-Burton, que endureceu
o embargo. Bill é Bill, Hillary é
Hillary, mas acho que os EUA
vão ter que reorganizar o consenso sobre comércio e isso incluirá a América Latina. Protecionismo é material de campanha, não de política externa."
"Se fizermos a coisa certa sobre Cuba, isso ressoará em toda
a América Latina", diz Sweig.
Resta ver se Obama se desvencilhará das demais pressões
para tomar o rumo defendido
por quase 70% dos americanos.
Texto Anterior: Saiba mais: Bloqueio, de 1962, retaliou expropriações Próximo Texto: Frase Índice
|