São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 2008

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Nos EUA, embargo perde apoio popular e motivação política

Sob Obama e Raúl, especialistas esperam relaxamento gradual de sanções

ANDREA MURTA
DE NOVA YORK

A poucos passos da missão de Cuba na ONU, a esquina da rua 38 com a avenida Lexington, em Nova York, era palco até poucos anos atrás de vigílias e protestos dos mais ferozes opositores a Fidel Castro nos EUA. Mas a calmaria que hoje paira sob a placa "Esquina Irmãos ao Resgate" não é por acaso: reflete o crescente consenso, mesmo entre cubano-americanos, sobre a necessidade de acabar com o embargo econômico e normalizar relações com a ilha.
As pressões pela mudança já pesam sobre Barack Obama, que dia 20 se tornará o primeiro presidente americano nascido após a Revolução Cubana e o 11º a lidar com o governo socialista em Havana. Ele prometeu na campanha reduzir restrições a remessas de dinheiro a partir dos EUA e de viagens de cubano-americanos à ilha, mas também negociar o embargo para promover abertura democrática, sem gestos unilaterais.
Hoje, americanos com família imediata em Cuba podem visitar a ilha uma vez a cada três anos por no máximo duas semanas, e, com autorização, levar à família até US$ 300 -antes de 2004, eram US$ 3.000.
Há pouca dúvida de que a crise econômica e o nó do Oriente Médio afastam Cuba da lista de prioridades do próximo governo. Mas, para o cubano-americano Maurício Font, da City University de Nova York, "seria um erro não relaxar o embargo unilateralmente". "O alívio das viagens e remessas é algo que Obama pode fazer sem negociação. Para o embargo ele precisa do Congresso. Mas seria um sinal à América Latina de baixo custo político -não há tanta gente contra isso-, de que a posição dos EUA mudou."
Uma vantagem para Obama negociar é chegar ao poder um ano após a oficialização de Raúl Castro no comando da ilha -ambiente, para analistas, menos "tóxico" do que sob Fidel.
Até hoje, o núcleo da oposição à normalização de relações esteve entre cubano-americanos da Flórida -Estado crucial em eleições presidenciais- que sofreram perseguições ou perderam dinheiro com a Revolução. A mudança geracional e a falta de resultados do embargo, porém, está alterando isso.
Pesquisa encerrada no último dia 1º pelo Instituto de Opinião Pública da Universidade Internacional da Flórida constatou que 55% dos cubano-americanos do Estado são contra o embargo. Outros 66% são a favor do fim das restrições de viagem; 65% defendem o fim do limite para envio de dinheiro; para 23%, o embargo funciona mal, e, para 56%, não funciona. A margem de erro é de 3,6 pontos para os dois lados.
De toda forma, diz Julia Sweig, especialista em Cuba do Council on Foreign Relations, Obama não precisa, politicamente, dar satisfação aos cubano-americanos conservadores, o que facilita a abertura. "Ele ganhou no Estado sem o voto desse grupo. Poderá começar a pensar em uma política dos EUA para Cuba, e não para o sul da Flórida", afirmou à Folha.

Fora da Flórida
Fora do Estado, é ainda mais difícil ver resistência -exceto dos decanos do governo ressentidos da Guerra Fria. Eleito, Obama ouviu pedidos de quase todos os setores para mudar as relações com Havana. Para Sweig, porém, não será fácil.
"Os passos unilaterais que os EUA poderão adotar inicialmente são limitados às restrições de viagens de famílias e talvez uma mudança de tom. Raul está disposto a se sentar na mesa, então eu não esperaria do governo Obama uma remoção unilateral do embargo. Tampouco espero encontros entre chefes de Estado no começo do próximo governo."
Ao tocar no ponto das reuniões de líderes, emergem as divergências entre Obama e sua futura chanceler, Hillary Clinton. A disposição dele para encontros de alto nível com governos hostis foi criticada por ela durante a disputa pela candidatura democrata. Hoje, porém, os especialistas deixam de lado possíveis atritos no tema. "Eles concordam muito mais do que discordam a respeito do movimento fundamental em relação à ilha", diz Sweig. Para Font, "Hillary sabe que é preciso coerência do governo e seguirá a política de Obama".
O analista diz que, se Hillary for como o marido, haverá suavização da tensão. "No início do governo de Bill Clinton (1993-2001), assim como sob o também democrata Jimmy Carter (1977-81), houve tentativas de reaproximação. Depois, com o incidente dos aviões, Bill sofreu muita pressão e assinou a lei Helms-Burton, que endureceu o embargo. Bill é Bill, Hillary é Hillary, mas acho que os EUA vão ter que reorganizar o consenso sobre comércio e isso incluirá a América Latina. Protecionismo é material de campanha, não de política externa."
"Se fizermos a coisa certa sobre Cuba, isso ressoará em toda a América Latina", diz Sweig.
Resta ver se Obama se desvencilhará das demais pressões para tomar o rumo defendido por quase 70% dos americanos.


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