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São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 2003

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COMENTÁRIO

Mesmo derrotados, trabalhistas guardam a chave da paz

MARCELO STAROBINAS
DA REDAÇÃO

O resultado das eleições parlamentares em Israel carregam um paradoxo intrigante: as chances de sucesso do futuro governo devem se concentrar nas mãos dos perdedores trabalhistas, não dos vitoriosos do Likud.
A insistência do premiê Ariel Sharon em defender na campanha a retomada da aliança de "união nacional" com os trabalhistas -tema-chave de seu discurso da vitória ontem- é resultado de um cálculo pragmático.
Reeleito, o chefe de governo sabe que, sem os trabalhistas, é presa fácil para as chantagens políticas da direita nacionalista e dos religiosos ortodoxos que o sustentarão no poder.
Teria, assim, que manter abertos os cofres públicos para os colonos dos territórios ocupados e para os seminários rabínicos, alienando a imensa parcela da população favorável ao desmantelamento dos assentamentos e ao fim dos privilégios orçamentários dos religiosos.
Sem os trabalhistas, Sharon se verá de mãos atadas no que diz respeito a futuras negociações para pôr fim à Intifada. Só lhe restaria, nesse cenário, a opção militar -a até agora fracassada tentativa de obter uma rendição incondicional dos militantes palestinos por meio da força.
Qualquer proposta de diálogo minimamente aceitável aos palestinos seria totalmente inaceitável aos seus parceiros da extrema direita, que deixariam o governo ao primeiro sinal de disposição do premiê de fazer concessões.
É com base nessas expectativas que os integrantes do círculo mais próximo ao premiê começaram a cortejar o Partido Trabalhista semanas antes do pleito. A adesão não só daria a Sharon maior estabilidade no poder, como também uma capa de verniz "pacifista" contra as frequentes críticas internacionais ao seu excessivo militarismo.

Difícil escolha
Caberá aos trabalhistas, portanto, uma difícil escolha. Se optarem por fazer oposição a Sharon, aumentam as chances de reabilitação da legenda perante a opinião pública. Além disso, encurtariam a vida útil do novo mandato do premiê, trazendo ao partido perspectivas de voltar ao poder a médio prazo em novas eleições.
É o que tem em mente o (enfraquecido) líder trabalhista, Amram Mitzna. Questionado sobre o seu desastroso desempenho eleitoral, disse ser um "maratonista", disposto a continuar na oposição o tempo que for necessário, criticando Sharon até desbancá-lo, "se não hoje, amanhã".
Ao trilhar um caminho independente, porém, os trabalhistas podem ser vistos como traidores da pátria num momento complicado. A sua ausência como instrumento moderador da política externa de Sharon talvez custe um preço alto ao país.
Uma coalizão de direita pode significar uma escalada militar ainda mais truculenta nos territórios palestinos, a expulsão de Iasser Arafat, o isolamento internacional e o consequente agravamento da crise econômica.
Em suma, um caldeirão em ebulição, à espera de uma pitada de um ingrediente que promete ser explosivo: uma guerra dos EUA contra o Iraque, que certamente tentará envolver Israel.
Não está claro, porém, se Mitzna estará em condições de ditar os rumos de seu partido após tê-lo conduzido a uma derrota histórica. O Likud aposta no fortalecimento de outros expoentes trabalhistas -como Shimon Peres e Binyamin Ben Eliezer, ex-ministros do governo Sharon- em busca da sua tão sonhada "união nacional".
O debate interno trabalhista sobre aderir ou não ao novo governo Sharon terá reflexos fundamentais na forma como Israel lidará com a questão palestina nos próximos anos. E pode, inclusive, levar a um desmembramento do partido em dois.
Por mais fragilizado que tenha saído das urnas, contudo, o Partido Trabalhista entra nas negociações para a composição de governo numa desproporcional posição de força. Para tê-lo ao seu lado, o premiê terá de oferecer, além de cargos importantes e ministérios, uma agenda política que apresente novas perspectivas de solução diplomática para o conflito israelo-palestino.


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