|
Próximo Texto | Índice
IRAQUE SOB TUTELA
Entram em vigor medidas extremas de segurança para impedir ataques, e confusão sobre votação é grande
Iraque se fecha para a eleição de amanhã
KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BAGDÁ
O Iraque se fechou ontem, a
dois dias da eleição que pode ser o
primeiro passo para o sonho da
democracia no país, como planejam os americanos, ou o início do
pesadelo da guerra civil. As fronteiras foram fechadas, estradas e
postos de votação estão fortemente policiados, e o toque de recolher foi estendido das 19h às 6h.
A intensidade dos mecanismos
de segurança para que a eleição
aconteça acaba por prejudicá-la.
A confusão reina entre muitos
iraquianos, pois as únicas e poucas informações que a população
recebeu sobre os candidatos lhe
chegaram através da publicidade
nas ruas. Repetem-se cartazes
com rostos públicos e desconhecidos. Muitos só vão se fazer conhecer no próprio domingo. Outros foram divulgados na quarta-feira, a cinco dias das eleições,
tendo sido mantidos em segredo
por razões de segurança.
Estima-se que cerca de 5.000
candidatos serão registrados no
próprio dia. Pelo menos oito candidatos foram assassinados nos
últimos dias, e outros desistiram
de suas candidaturas. Enquanto
em outros países políticos brigam
para aparecer na televisão por alguns minutos, aqui os candidatos
só aceitam aparecer sob a condição de terem seus rostos cobertos.
Tampouco se sabe onde serão
as mais de 5.000 seções de voto
distribuídas pelo país. O medo é
tão grande que as autoridades estão adiando a divulgação dos detalhes sobre onde votar. As urnas
são alvos de ataques há vários
dias, coincidindo com a declaração de ""guerra feroz" lançada pela
rede Al Qaeda na Mesopotâmia.
As pessoas têm mais informações ligadas à proibição de votar.
Grupos extremistas distribuíram
no bairro de Rashad, em Bagdá,
folhetos em que ameaçaram:
""Quem participar das eleições
não poderá imaginar o que vai
acontecer a sua família por participar dessa conspiração dos cruzados para ocupar a terra do islã".
E acrescentavam: ""Juramos lavar
as ruas de Bagdá com o sangue
dos eleitores".
Convite para participar
Num restaurante do perigoso e
movimentado bairro de Al Mansur, três jovens mulheres comem
frango frito com arroz e se refugiam do frio intenso de Bagdá.
Diante da janela à frente delas, um
cartaz do governo convida o público a participar das eleições.
Uma urna impecável e uma bandeira com as cores do Iraque ilustram centenas de cartazes espalhados em diferentes pontos da
cidade. ""Para dar a nossos filhos
um país melhor" -é esse o chamado à cotação lançado neste
país mergulhado no caos.
""Vou votar na chapa 169. Minha
família toda fará o mesmo, porque respeitamos o que manda Al
Sistani", diz a estudante de enfermagem Suha, 21, vestindo calças
jeans, casaco e ""hijab" negro sobre a cabeça. ""Além disso, é uma
oportunidade para viver na democracia. Finalmente nós, xiitas,
vamos opinar e ter oportunidade
de ter uma vida melhor. Você sabe o que acontecia na época do
Saddam?"
Suha vê as eleições como um começo, como dizem os cartazes do
Conselho Superior para a Revolução Islâmica espalhados pelas
ruas. ""Atalia" (princípio) é o slogan da chapa 234, que inclui a
Aliança Iraquiana Unida, que tem
o apoio do grão aiatolá Ali Sistani,
o homem mais forte da comunidade xiita, que tem sólidos laços
com Teerã.
""Essa história de eleições não
passa de balela", afirma Zainab,
sacudindo os longos cabelos ruivos. ""Meus tios são de Ramadi e
não podem votar, porque os registros estão ali. Tampouco podem voltar, porque foram ameaçados. Mesmo que não houvesse
boicote dos sunitas, isso não serve, de qualquer maneira."
Zainab tem razão no que diz.
Três das 18 Províncias iraquianas
estarão excluídas da votação, em
razão da situação de insegurança.
O Partido Islâmico Iraquiano, de
extração sunita, convocou a população a boicotar a eleição. É
provável que a participação dos
eleitores seja pequena em suas
áreas de influência, que representam cerca de 50% da população.
São quatro regiões que estão em
jogo -Níneve, Anbar, Salahadin
e Bagdá-, que, juntas, têm um
quarto da população do Iraque.
""Eu queria saber em quem vamos votar", confessa, duvidosa,
Wada, 22, e sonha em ir morar no
Canadá, para distanciar-se ""deste
Iraque louco". ""São os mesmos de
sempre. Por exemplo, Allawi, o
primeiro-ministro, que colaborou com a CIA e que, no governo,
não está fazendo nada? Os outros
nós não conhecemos. Nem sequer sabemos onde votar."
O almoço chega ao fim, e as jovens se preparam para voltar a
seus afazeres. Enquanto caminham, aparece o rosto de Musab
al Zarqawi, o homem mais procurado pelas forças multinacionais.
Um cartaz de dimensões gigantescas convoca os cidadãos a colaborar para que se descubra o paradeiro do jordaniano que espalha o terror pelo país.
""Se você tiver alguma informação, ligue para os números da polícia local", dizem os cartazes em
letras verdes. Esse é o personagem
que promete a morte aos possíveis eleitores. Essas são as eleições
no Iraque.
A jornalista argentina Karen Marón é
especializada na cobertura de conflitos
armados, como na Colômbia, no Peru e
no Oriente Médio.
Tradução de Clara Allain
Próximo Texto: Bagdá anuncia prisão de aliados de Al Zarqawi Índice
|