São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2005

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IRAQUE SOB TUTELA

Entram em vigor medidas extremas de segurança para impedir ataques, e confusão sobre votação é grande

Iraque se fecha para a eleição de amanhã

KAREN MARÓN
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BAGDÁ

O Iraque se fechou ontem, a dois dias da eleição que pode ser o primeiro passo para o sonho da democracia no país, como planejam os americanos, ou o início do pesadelo da guerra civil. As fronteiras foram fechadas, estradas e postos de votação estão fortemente policiados, e o toque de recolher foi estendido das 19h às 6h.
A intensidade dos mecanismos de segurança para que a eleição aconteça acaba por prejudicá-la.
A confusão reina entre muitos iraquianos, pois as únicas e poucas informações que a população recebeu sobre os candidatos lhe chegaram através da publicidade nas ruas. Repetem-se cartazes com rostos públicos e desconhecidos. Muitos só vão se fazer conhecer no próprio domingo. Outros foram divulgados na quarta-feira, a cinco dias das eleições, tendo sido mantidos em segredo por razões de segurança.
Estima-se que cerca de 5.000 candidatos serão registrados no próprio dia. Pelo menos oito candidatos foram assassinados nos últimos dias, e outros desistiram de suas candidaturas. Enquanto em outros países políticos brigam para aparecer na televisão por alguns minutos, aqui os candidatos só aceitam aparecer sob a condição de terem seus rostos cobertos.
Tampouco se sabe onde serão as mais de 5.000 seções de voto distribuídas pelo país. O medo é tão grande que as autoridades estão adiando a divulgação dos detalhes sobre onde votar. As urnas são alvos de ataques há vários dias, coincidindo com a declaração de ""guerra feroz" lançada pela rede Al Qaeda na Mesopotâmia.
As pessoas têm mais informações ligadas à proibição de votar. Grupos extremistas distribuíram no bairro de Rashad, em Bagdá, folhetos em que ameaçaram: ""Quem participar das eleições não poderá imaginar o que vai acontecer a sua família por participar dessa conspiração dos cruzados para ocupar a terra do islã". E acrescentavam: ""Juramos lavar as ruas de Bagdá com o sangue dos eleitores".

Convite para participar
Num restaurante do perigoso e movimentado bairro de Al Mansur, três jovens mulheres comem frango frito com arroz e se refugiam do frio intenso de Bagdá. Diante da janela à frente delas, um cartaz do governo convida o público a participar das eleições. Uma urna impecável e uma bandeira com as cores do Iraque ilustram centenas de cartazes espalhados em diferentes pontos da cidade. ""Para dar a nossos filhos um país melhor" -é esse o chamado à cotação lançado neste país mergulhado no caos.
""Vou votar na chapa 169. Minha família toda fará o mesmo, porque respeitamos o que manda Al Sistani", diz a estudante de enfermagem Suha, 21, vestindo calças jeans, casaco e ""hijab" negro sobre a cabeça. ""Além disso, é uma oportunidade para viver na democracia. Finalmente nós, xiitas, vamos opinar e ter oportunidade de ter uma vida melhor. Você sabe o que acontecia na época do Saddam?"
Suha vê as eleições como um começo, como dizem os cartazes do Conselho Superior para a Revolução Islâmica espalhados pelas ruas. ""Atalia" (princípio) é o slogan da chapa 234, que inclui a Aliança Iraquiana Unida, que tem o apoio do grão aiatolá Ali Sistani, o homem mais forte da comunidade xiita, que tem sólidos laços com Teerã.
""Essa história de eleições não passa de balela", afirma Zainab, sacudindo os longos cabelos ruivos. ""Meus tios são de Ramadi e não podem votar, porque os registros estão ali. Tampouco podem voltar, porque foram ameaçados. Mesmo que não houvesse boicote dos sunitas, isso não serve, de qualquer maneira."
Zainab tem razão no que diz. Três das 18 Províncias iraquianas estarão excluídas da votação, em razão da situação de insegurança. O Partido Islâmico Iraquiano, de extração sunita, convocou a população a boicotar a eleição. É provável que a participação dos eleitores seja pequena em suas áreas de influência, que representam cerca de 50% da população. São quatro regiões que estão em jogo -Níneve, Anbar, Salahadin e Bagdá-, que, juntas, têm um quarto da população do Iraque.
""Eu queria saber em quem vamos votar", confessa, duvidosa, Wada, 22, e sonha em ir morar no Canadá, para distanciar-se ""deste Iraque louco". ""São os mesmos de sempre. Por exemplo, Allawi, o primeiro-ministro, que colaborou com a CIA e que, no governo, não está fazendo nada? Os outros nós não conhecemos. Nem sequer sabemos onde votar."
O almoço chega ao fim, e as jovens se preparam para voltar a seus afazeres. Enquanto caminham, aparece o rosto de Musab al Zarqawi, o homem mais procurado pelas forças multinacionais. Um cartaz de dimensões gigantescas convoca os cidadãos a colaborar para que se descubra o paradeiro do jordaniano que espalha o terror pelo país.
""Se você tiver alguma informação, ligue para os números da polícia local", dizem os cartazes em letras verdes. Esse é o personagem que promete a morte aos possíveis eleitores. Essas são as eleições no Iraque.


A jornalista argentina Karen Marón é especializada na cobertura de conflitos armados, como na Colômbia, no Peru e no Oriente Médio.

Tradução de Clara Allain


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