São Paulo, segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

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ARTIGO

Kirchner prepara a mulher à sucessão

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A presença de Cristina Fernandéz na cúpula do Mercosul "foi parte da sua inserção nos ambientes onde atuará quando assumir a sucessão". O que significa que cessam as especulações, "a sua candidatura já está decidida". A conclusão é de veterano analista político argentino, José Maria Pasquini. Tem por base fontes palacianas. Cristina é mulher do presidente Néstor Kirchner, e sua ascensão dá continuidade a um modelo criado pelo fundador do peronismo, o de dividir ou passar o poder a quem se supõe que seja da mais absoluta confiança, além de discípula aplicada -a própria mulher.
A consagração de Cristina coincide com as desventuras da segunda mulher e sucessora de Perón, Isabel Martínez, a Isabelita, às voltas com acusações de responsabilidade em assassinatos. O noticiário envolvendo Isabelita, por coincidência numa hora em que um presidente de extração peronista inicia o rito de entronização da sua companheira, fez com que Tomás Eloy Martínez relembrasse seus quatro dias de gravações com Perón em 1970. Na época, o general era um exilado de 75 anos. O autor de "Santa Evita" conta como se atreveu a afinal fazer a pergunta que tinha na ponta da língua.
O senhor percebe, general, que Evita está ganhando a batalha da história? Eva, personagem subalterna da vida noturna argentina, tornou-se Perón e acabou surpreendendo o próprio marido como um fator paralelo de poder. Coroou a si mesma rainha dos "descamisados". Seu corpo embalsamado, espécie de oratório no salão de entrada da Confederação Geral do Trabalho, foi seqüestrado pelos militares golpistas, tornou-se mais um "desaparecido". A reação gravada por Eloy Martínez mostra que Perón não se sentia à vontade.
Seria um precedente a considerar? O general encrespou-se com a pergunta, e os ruídos produzidos ficaram registrados. "Evita foi produto meu", bradou Perón, "eu a preparei para ser o que foi". Os grandes elogios, no entanto, tomaram o rumo de Isabelita, citada como a melhor discípula, "mulher dócil e inteligente", que "sabia exatamente o que significava dar-lhe espaço na fórmula presidencial". Elegeu-se vice de um Perón que só teria dez meses na Presidência. Acabou golpeada. Perón não contava, escreveu Eloy Martínez, que seu secretário López Rega, El Brujo, tivesse sobre sua mulher a influência de um sumo sacerdote, cujo altar de sacrifícios teria sido a Triple A, ainda não apagada na memória argentina.
E Kirchner na era Cristina? Reservaria para si, segundo Pasquini, o papel de articulador de um amplo "movimento plural" pós-peronismo. Ele já recruta frações partidárias de origens ideológicas as mais diversas. Seriam articuladas sem que nenhuma tenha a necessidade de renegar suas convicções originais, "construção similar à que realizou Perón na fundação do peronismo, com adaptações aos dias atuais". E com Cristina também na linha de frente.


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