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Para Ramos-Horta, frustração maior é pobreza extrema
Presidente de Timor Leste diz que perdoa Suharto, mas que potências mundiais têm de responder por apoio a seu regime
No Brasil para encontro com Lula amanhã, Nobel da Paz afirma que vai pedir ao
colega brasileiro ajuda com florestas e laptops baratos
SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Mais novo país a ser reconhecido pela ONU, Timor Leste,
com apenas seis anos de vida,
caminha a passos modestos na
consolidação de suas instituições nacionais. Confrontos
ocorridos em 2006 entre policiais e militares expuseram a
fragilidade do país, que conquistou independência depois
de sofrer mais de duas décadas
sob a ocupação implacável do
ditador indonésio Suharto, que
morreu no último domingo.
Em visita ao Brasil, o presidente José Ramos-Horta, 58,
figura heróica da independência, explicou ontem à Folha
por que perdoa Suharto e disse
que sonha em distribuir dinheiro na rua para os pobres.
FOLHA - Como o sr. reagiu à morte
de Suharto?
JOSÉ RAMOS-HORTA - A morte do
ditador Suharto marca o fim de
uma época que se caracterizou
pelo massacre de centenas de
milhares de pessoas. Foi ele
quem ordenou a invasão e ocupação de Timor Leste. Mas
EUA, Austrália, Japão e Europa
não podem fugir de suas responsabilidades. Eles sustentaram o regime, contribuindo diretamente para a nossa tragédia. A morte de Suharto fecha o
capítulo da sórdida política externa dos países ocidentais, que
pregavam a democracia e os direitos humanos mas apoiavam
as ditaduras mais violentas.
FOLHA - O senhor chocou muita
gente ao pedir que os timorenses rezassem por ele e o perdoassem...
RAMOS-HORTA - Eu mesmo perdi dois irmãos e uma irmã. Ela
teve mais sorte porque, quando
foi morta, o povo que mora nas
montanhas encontrou seu corpo e o enterrou num local onde
permaneceu por 24 anos. Em
2003, fui pessoalmente recuperá-lo para reenterrá-lo em Dili.
Os outros irmãos nem sequer
sabemos onde morreram
-provavelmente foram atirados em alguma vala e comidos
por cães. Suharto não está mais
neste mundo, o país é livre e devemos nos concentrar no presente. Aqueles que estiveram
contra nós perderam, e nós ganhamos. Na vitória, devemos
ser magnânimos.
FOLHA - O que o sr. dirá ao presidente Lula ao encontrá-lo nesta
quarta [amanhã]?
RAMOS-HORTA - Vou dizer o
quanto estou sensibilizado pelo
apoio que o irmão brasileiro
nos tem prestado. Timor Leste
é o país que mais recebe ajuda
externa do Brasil. Boa parte
desse dinheiro custeia o envio
de 50 professores brasileiros
que ensinam a língua portuguesa. Também recebemos
ajuda na área da Justiça. Os juristas vindos do Brasil entendem as nossas dificuldades e
não têm a arrogância de peritos
de outras nacionalidades. Na
área ambiental, solicitei a Brasil e Indonésia, países com as
maiores reservas florestais do
mundo, que trabalhem em conjunto para apoiar o nosso processo de reflorestamento.
Também pedirei a Lula que nos
ofereça mil unidades daqueles
laptops que custam menos de
US$ 200. Vai ajudar muito em
um de meus programas de luta
contra a pobreza.
FOLHA - Passada a crise de 2006,
qual o risco de novos confrontos?
RAMOS-HORTA - São muito baixos. Ainda como premiê, comecei o trabalhar para sarar as feridas nas forças de segurança.
Em 2006, chegamos perto do
abismo, mas paramos a tempo.
FOLHA - O senhor é acusado de não
ter uma política de segurança clara.
RAMOS-HORTA - Há sempre especialistas que vêm ao meu país
por alguns dias e se acham
grandes experts em Timor.
Nós, que vivemos o tempo todo
lá, temos que nos fingir de ignorantes diante do que esses
Einsteins têm a dizer. O processo de reorganização da nossa polícia é um esforço conjunto de todas as instituições timorenses, com o apoio da ONU.
Na área policial, procuramos
não repetir os erros cometidos
pela organização, como no Haiti. A formação da polícia naquele país envolveu muitas nacionalidades e culturas, o que causou problemas. Nós vamos privilegiar Portugal para fazer a
formação básica de nossa polícia e Forças Armadas.
FOLHA - Qual sua maior conquista?
RAMOS-HORTA - Recebi mandato
como premiê e ministro da Defesa em 2006, no auge da crise.
Consegui sarar as feridas dentro das Forças Armadas [onde a
crise começou] e da polícia. Me
orgulho de ter realizado esse
trabalho em pouco tempo,
mesmo que ele não tenha muita visibilidade.
FOLHA - E sua maior frustração?
RAMOS-HORTA - É não poder fazer milagre para resolver rapidamente o problema da extrema pobreza. O meu herói é Jean Valjean [de "Os Miseráveis"], condenado por roubar
um pão. Eu me defino como o
presidente dos pobres. Se fosse
rico, sentaria na rua com malas
cheias de dinheiro e daria mil
dólares a cada pobre que passasse.
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