São Paulo, terça-feira, 29 de janeiro de 2008

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Para Ramos-Horta, frustração maior é pobreza extrema

Presidente de Timor Leste diz que perdoa Suharto, mas que potências mundiais têm de responder por apoio a seu regime

No Brasil para encontro com Lula amanhã, Nobel da Paz afirma que vai pedir ao colega brasileiro ajuda com florestas e laptops baratos

SAMY ADGHIRNI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Mais novo país a ser reconhecido pela ONU, Timor Leste, com apenas seis anos de vida, caminha a passos modestos na consolidação de suas instituições nacionais. Confrontos ocorridos em 2006 entre policiais e militares expuseram a fragilidade do país, que conquistou independência depois de sofrer mais de duas décadas sob a ocupação implacável do ditador indonésio Suharto, que morreu no último domingo.
Em visita ao Brasil, o presidente José Ramos-Horta, 58, figura heróica da independência, explicou ontem à Folha por que perdoa Suharto e disse que sonha em distribuir dinheiro na rua para os pobres.  

FOLHA - Como o sr. reagiu à morte de Suharto?
JOSÉ RAMOS-HORTA
- A morte do ditador Suharto marca o fim de uma época que se caracterizou pelo massacre de centenas de milhares de pessoas. Foi ele quem ordenou a invasão e ocupação de Timor Leste. Mas EUA, Austrália, Japão e Europa não podem fugir de suas responsabilidades. Eles sustentaram o regime, contribuindo diretamente para a nossa tragédia. A morte de Suharto fecha o capítulo da sórdida política externa dos países ocidentais, que pregavam a democracia e os direitos humanos mas apoiavam as ditaduras mais violentas.

FOLHA - O senhor chocou muita gente ao pedir que os timorenses rezassem por ele e o perdoassem...
RAMOS-HORTA
- Eu mesmo perdi dois irmãos e uma irmã. Ela teve mais sorte porque, quando foi morta, o povo que mora nas montanhas encontrou seu corpo e o enterrou num local onde permaneceu por 24 anos. Em 2003, fui pessoalmente recuperá-lo para reenterrá-lo em Dili.
Os outros irmãos nem sequer sabemos onde morreram -provavelmente foram atirados em alguma vala e comidos por cães. Suharto não está mais neste mundo, o país é livre e devemos nos concentrar no presente. Aqueles que estiveram contra nós perderam, e nós ganhamos. Na vitória, devemos ser magnânimos.

FOLHA - O que o sr. dirá ao presidente Lula ao encontrá-lo nesta quarta [amanhã]?
RAMOS-HORTA
- Vou dizer o quanto estou sensibilizado pelo apoio que o irmão brasileiro nos tem prestado. Timor Leste é o país que mais recebe ajuda externa do Brasil. Boa parte desse dinheiro custeia o envio de 50 professores brasileiros que ensinam a língua portuguesa. Também recebemos ajuda na área da Justiça. Os juristas vindos do Brasil entendem as nossas dificuldades e não têm a arrogância de peritos de outras nacionalidades. Na área ambiental, solicitei a Brasil e Indonésia, países com as maiores reservas florestais do mundo, que trabalhem em conjunto para apoiar o nosso processo de reflorestamento.
Também pedirei a Lula que nos ofereça mil unidades daqueles laptops que custam menos de US$ 200. Vai ajudar muito em um de meus programas de luta contra a pobreza.

FOLHA - Passada a crise de 2006, qual o risco de novos confrontos?
RAMOS-HORTA
- São muito baixos. Ainda como premiê, comecei o trabalhar para sarar as feridas nas forças de segurança. Em 2006, chegamos perto do abismo, mas paramos a tempo.

FOLHA - O senhor é acusado de não ter uma política de segurança clara.
RAMOS-HORTA
- Há sempre especialistas que vêm ao meu país por alguns dias e se acham grandes experts em Timor.
Nós, que vivemos o tempo todo lá, temos que nos fingir de ignorantes diante do que esses Einsteins têm a dizer. O processo de reorganização da nossa polícia é um esforço conjunto de todas as instituições timorenses, com o apoio da ONU.
Na área policial, procuramos não repetir os erros cometidos pela organização, como no Haiti. A formação da polícia naquele país envolveu muitas nacionalidades e culturas, o que causou problemas. Nós vamos privilegiar Portugal para fazer a formação básica de nossa polícia e Forças Armadas.

FOLHA - Qual sua maior conquista?
RAMOS-HORTA
- Recebi mandato como premiê e ministro da Defesa em 2006, no auge da crise. Consegui sarar as feridas dentro das Forças Armadas [onde a crise começou] e da polícia. Me orgulho de ter realizado esse trabalho em pouco tempo, mesmo que ele não tenha muita visibilidade.

FOLHA - E sua maior frustração?
RAMOS-HORTA
- É não poder fazer milagre para resolver rapidamente o problema da extrema pobreza. O meu herói é Jean Valjean [de "Os Miseráveis"], condenado por roubar um pão. Eu me defino como o presidente dos pobres. Se fosse rico, sentaria na rua com malas cheias de dinheiro e daria mil dólares a cada pobre que passasse.


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