São Paulo, sábado, 29 de janeiro de 2011

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ANÁLISE

Posição contida de muçulmanos pode refletir cálculo político

SALEM HIKMAT NASSER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enquanto o Egito se debate à beira do que podem ser mudanças históricas, para o país e para a região, cabem ao menos duas perguntas que têm relação direta com a Irmandade Muçulmana e com o lugar da religião na sociedade egípcia.
A primeira diz respeito ao papel que a Irmandade estaria desempenhando nas mobilizações correntes. A segunda é esta: quem governará o Egito caso caia Mubarak?
Oficialmente, a Irmandade diz não estar liderando as manifestações, mas apenas tomando parte nelas como componente do povo. E, de fato, os relatos acentuam o papel preponderante da juventude e o uso hábil de redes sociais e meios de comunicação modernos na organização dos protestos.
No entanto, não deve restar dúvida de que a Irmandade, apesar de condenada à semiclandestinidade pelo Estado, é o maior e mais bem organizado movimento de oposição ao governo.
Sua modéstia e precaução em relação ao levante condizem com uma política recente de gradual avanço, sem chocar-se de frente com o regime, e de uma retórica mais moderada. A posição contida dos últimos dias talvez decorra mais de um cálculo inteligente do que de falta de força política.
Nesse meio tempo, os observadores vão se perguntando quem poderia substituir Mubarak, já que este desbaratou a oposição e não permitiu que surgisse perto de si qualquer liderança forte.
Não está claro que a Irmandade tenha a oportunidade ou as condições de assumir as rédeas do Estado; até aqui, as manifestações não apresentaram um caráter ou uma raiz propriamente religiosa e nada garante que desembocassem em um governo de inspiração islâmica.
Mas é bem possível que assumir o poder imediatamente não seja uma prioridade do movimento. Aquela postura de contenção mencionada parece estar conjugada com uma opção, que teriam feito a Irmandade e outros movimentos islâmicos, de operar para a islamização das sociedades a partir da base ao invés de priorizar a tomada do poder político.
Basta um passeio pelas ruas do Cairo ou de Alexandria para perceber a extensão e a profundidade com que o islã está presente na sociedade. Talvez a Irmandade, tendo calibrado as suas práticas e o seu discurso para atender às exigências da política moderna, tenha razões para demonstrar essa força tranquila em tempos tão conturbados.

SALEM HIKMAT NASSER é professor de direito internacional da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas


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