São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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A VEZ DELAS

Demanda feminina por produtos sexuais sacode mercado predominantemente masculino e já atrai empreendedoras

Mulheres mudam a cara da pornografia

Richard Harbus/"The New York Times"
A advogada Ross (em pé) e a documentarista Head, que estão entrando no mercado pornográfico


MIREYA NAVARRO
DO "NEW YORK TIMES"

Carlin Ross, 30, e Christina Head, 26, respectivamente advogada e documentarista nova-iorquinas, se uniram recentemente para planejar mudanças em suas vidas profissionais.
Ross, que presta assessoria jurídica geral a empresas "pontocom", reabriu neste mês um site de conteúdo adulto, o www.cherrybomb.com, que oferece ""sexo e amor do ponto de vista feminino". Já Head, cujo principal tema de trabalho vinha sendo jovens urbanos que vivem na pobreza, vai produzir e dirigir filmes e programas de TV pornôs.
"O mais importante é educar as mulheres e lhes dar poder. Além disso, eu gosto de sexo", disse Head. "Somos mulheres. Curtimos sexo."
Head e Ross fazem parte de um grupo crescente de mulheres que vendem sexo a outras mulheres, Nesse caso, vendem o que descrevem como "entretenimento adulto de viés feminino" -o tipo que inclui preliminares, leva em conta os gostos das mulheres e sugere novas possibilidades de prazer.
Para os especialistas, é a demanda feminina -seja hetero ou homossexual- que está movendo o crescimento de empreendimentos de todo tipo ligados ao sexo, de lojas a programas na TV paga.
Ao mesmo tempo, muitas mulheres começam a ver na indústria sexual um lugar legítimo onde ganhar a vida.
Samantha Lewis, 42, é presidente da Digital Playground, uma empresa de DVDs que produz filmes pornográficos para mulheres e casais, e estima que as mulheres, hoje, sejam responsáveis por 40% de suas vendas no varejo, o dobro da proporção verificada há dois anos. Atualmente, diz Lewis, nas feiras comerciais do setor, metade das fãs são mulheres, contra apenas 10% há cinco anos. ""São elas que alimentam o crescimento."
Não é de hoje que as mulheres atuam na indústria do sexo, mas sua participação vem se tornando um fenômeno econômico mais importante, em grande medida graças à internet.
Pesquisas conduzidas pela Nielsen/NetRatings mostram que as mulheres compõem mais de 25% dos visitantes de sites de conteúdo adulto -só em dezembro, mais de 10 milhões de mulheres acessaram sites desse tipo. A empresa ComScore Media Metrix mediu uma demanda feminina ainda maior: 42% das visitas a esses sites em janeiro, sendo a proporção maior de mulheres na faixa dos 18 aos 34 anos.
As vendas on-line da Toys in Babeland, empresa fundada em 1993 por mulheres para vender produtos sexuais a mulheres com três lojas em Washington e Nova York, cresceram tanto nos últimos quatro anos que superaram as vendas por encomenda postal e no varejo. Só no ano passado, o aumento foi de 52%, contra 37% nas vendas globais da empresa.
"Estamos nos beneficiando do fato de a internet permitir privacidade", disse Claire Cavanah, uma das proprietárias da empresa.
A presença de mais mulheres no setor ajuda a gerar mais demanda feminina. Debra Curtis, que leciona antropologia na Universidade Salve Regina, em Newport, Rhode Island, conta que as festas em que são feitas demonstrações do uso de acessórios sexuais, ao estilo dos eventos feitos para promover os produtos Tupperware, ajudam a criar uma imagem dos produtos como sendo divertidos e acessíveis a todas.
"O mercado oferece às mulheres maneiras múltiplas de exercer sua sexualidade", diz Curtis, autora de um artigo sobre os eventos para o periódico "Cultural Anthropology". "Novos repertórios sexuais, novas regras e novas expectativas estão sendo criadas. Não se trata apenas de romance, mas de aumentar o prazer."
Mas alguns críticos acham que a adoção da pornografia constitui um sinal nada saudável de que as mulheres estão tentando imitar as atitudes dos homens em relação ao sexo, em lugar de utilizar sua perspectiva para influenciar o comportamento dos homens.
"A pornografia feita por mulheres que eu já vi é escancarada", disse Diana Russell, professora emérita de sociologia na Mills College, em Oakland, Califórnia. "Pode ser feita de maneira mais suave, mas ainda é sexo dissociado de outros sentimentos."
As mulheres ainda constituem minoria pequena entre os diretores de filmes pornográficos, mas, segundo especialistas, sua presença vem crescendo nos últimos cinco anos. Não há estatísticas disponíveis, mas Mark Kernes, editor sênior do "Adult Video News", periódico especializado do setor, disse que também há mais proprietárias de lojas de vídeos e produtos para adultos.
O setor atrai mulheres como a cabeleireira Alex Reyes, 52, de Austin, Texas, que afirma nunca ter comprado um acessório sexual e ter assistido a apenas dois filmes pornográficos na vida, mas que planeja abrir uma loja adulta ao lado de seu salão de beleza.
Reyes diz que, enquanto corta cabelo, freqüentemente ouve suas clientes comentarem lingeries sensuais, "coisas comestíveis" e os acessórios sexuais que utilizam. Agora, após 30 anos trabalhando com cabelos, ela acha que sua nova loja será mais rentável e dará menos trabalho do que o salão.
"Minha decisão é puramente comercial", diz Reyes, que é solteira e tem um filho de 25 anos, que apóia o plano. "Sexo vende."

Tradução de Clara Allain


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