|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Zimbábue vota sob temor de fraude
Espectro de violência pós-urnas ronda as eleições mais disputadas desde que Mugabe subiu ao poder, em 1980
Ex-ministro da economia e líder oposicionista disputam com ditador, que viu apoio diminuir com deterioração da economia e hiperinflação
ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A HARARE
FÁBIO ZANINI
EM HARARE
A relativa calma nas ruas arborizadas do centro de Harare,
capital do Zimbábue, não esconde o acirramento e o medo
que invadiram as eleições presidenciais de hoje, as mais disputadas em quase três décadas.
Ontem, o ditador Robert Gabriel Mugabe, 84, há 28 anos no
poder, colocou as Forças Armadas em alerta máximo, segundo
fontes diplomáticas ouvidas
pela Folha. Para a oposição,
que tenta evitar um novo mandato de cinco anos para o presidente, trata-se de intimidação.
Nos jornais locais, o temor
de fraudes é patente: "Mugabe
deve vencer com 57%", lê-se no
oficial "The Herald"; "Mugabe
deve roubar nas urnas", acusa o
oposicionista "Zimbabwe Independent".
Nas eleições, que escolherão
ainda conselheiros municipais
e congressistas, Mugabe é desafiado por dois candidatos:
Simba Makoni, o ex-ministro
das Finanças que abandonou o
partido governista, Zanu-PF, e
concorre como independente,
e Morgan Tsvangirai, líder do
Movimento pela Mudança Democrática (MDC).
"Plano B"
Mais do que o temor de fraude, o espectro do Quênia permeia todas as conversas. Uma
onda de violência pós-eleitoral,
como ocorreu naquele país, não
pode ser descartada. "Mugabe
vai tentar roubar a eleição. Se
isso acontecer, nós temos um
plano B", diz Luke Tamborinioke, diretor de informações da
campanha de Tsvangirai. Qual?
"Não posso dizer", responde.
Harare, assim como a maioria das áreas urbanizadas, é
considerada reduto de Tsvangirai, apesar da falta de pesquisas confiáveis. Nos muros e
postes, o rosto redondo e sorridente do candidato, assim como a mão aberta -símbolo da
oposição- , é comum.
E não fica atrás em quantidade o também sorridente Makoni, o preferido da comunidade
internacional, cujo mote é o de
uma oposição moderada e estável, com viés tecnocrático.
"A eleição não vai ser fraudada. Ela já está sendo. Há muitos
mortos na lista de eleitores",
diz Godfrey Chanetsa, coordenador da campanha de Makoni.
Mugabe adotou como marketing o rosto sério e o punho
fechado. Nos postes de Harare,
a imagem ainda é a do herói dos
anos 70, época da guerra pela
independência. Sua retórica é a
de atribuir todos os problemas,
como a hiperinflação, aos britânicos e norte-americanos -e
classificar seus opositores como agentes dos "imperialistas".
"Mugabe é o único que pode
garantir nossa independência.
Makoni e Tsvangirai querem
vender o país para os britânicos", diz Tawanda, 21, um estudante que trajava uma camisa
de Mugabe com o slogan "voto
no punho fechado".
No campo doméstico, porém,
a pobreza generalizada parece
ter clonado opositores em número indefinido. "Até nas áreas
rurais, tradicionais bases do
presidente, Mugabe vem perdendo apoio devido às dificuldades econômicas", diz Tafadzwa Mugabe (sem parentesco
com o ditador), da ONG Zimbabwe Lawyers for Human
Rights. O país convive com uma
inflação estimada (vagamente)
para este ano em 100.000%.
Para reverter a ameaça, o líder distribuiu nas últimas semanas tratores e combustível a
agricultores, uma manobra criticada como compra de votos.
Há também relatos de 450 carros distribuídos para médicos,
aparentemente para conquistar a simpatia do setor de saúde
-em frangalhos pelo desmoronamento da economia. "Estamos apenas mantendo nossos
programas normais", afirma o
embaixador do Zimbábue no
Brasil, Thomas Bvuma.
Já Tsvangirai usa claramente
o expediente de transportar
eleitores para seus comícios.
No último domingo, havia congestionamento de picapes na
saída de um de seus eventos.
"Essas pessoas moram a 20 km
daqui. Você queria que elas fossem a pé?", justifica Tamborinioke, diretor da campanha.
Observadores
O Brasil, com Venezuela, Irã
e China, foi um dos 47 países (a
maioria africanos) convidados
pelo governo para observar as
eleições de hoje. De Brasília,
veio o deputado federal Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP). Também será observador
o embaixador brasileiro em
Harare, Raul de Tonay.
Ficaram de fora EUA e União
Européia. "Há uma série de
questões não respondidas sobre essa eleição", afirmou o
porta-voz do Departamento de
Estado dos EUA, Sean McCormack, segundo a Reuters.
ANDREA MURTA viajou a convite das ONGs Conectas Direitos Humanos e Open Society
Texto Anterior: Polêmica: Islâmicos condenam filme holandês Próximo Texto: Liderança democrata pede fim de ataques pessoais Índice
|