São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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México põe em xeque luta militar antidrogas

Mobilização emergencial das Forças Armadas tende a se tornar permanente diante da debilidade das forças policiais civis

Corrupção derrubou metade da polícia de Ciudad Juárez, campeã de violência no país; disputa de cartéis responde por maior parte das mortes

Tomas Bravo-07.mar.09/Reuters
Homem passa por loja de serigrafia com a imagem do Coração de Jesus em Ciudad Juárez, a cidade mais violenta do México; à esquerda, logotipo da Dickies, marca americana de roupas

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A
CIUDAD JUÁREZ (MÉXICO)

Importante rota do narcotráfico aos Estados Unidos, Ciudad Juárez se transformou nos últimos meses na cidade mais violenta do México. A onda de assassinatos só foi parcialmente debelada há cerca de 15 dias, após a chegada de mais 5.000 soldados. Mas a crescente dependência da força militar na segurança pública tem alimentado dúvidas sobre a eficácia da política de linha dura adotada por Felipe Calderón ao assumir o cargo de presidente, em dezembro de 2006.
Na semana passada, quando a reportagem da Folha visitou a região, o número diário de assassinatos havia sido reduzido em 95%, diz a prefeitura. Mas as patrulhas de camionetes com soldados armados ainda não estimulam as pessoas a saírem de casa -a maior parte dos restaurantes fica vazio à noite.
É o primeiro respiro da cidade em vários meses, após níveis inéditos de violência. Num dos casos mais emblemáticos, o diretor da polícia de Juárez (controlada pela prefeitura), Roberto Orduña, renunciou no mês passado depois que traficantes prometeram matar um policial a cada 48h até que ele saísse. Ele deixou o cargo depois do segundo assassinato.
"Vários fatores explicam a violência", disse à Folha o prefeito de Juárez, José Reyes Ferriz, em entrevista em seu gabinete, a poucos metros da linha fronteiriça com os EUA. "O primeiro é que a polícia de Juárez deveria ter 4.000 homens e tem apenas 1.600. O segundo é a forte corrupção policial. E o terceiro é a guerra entre o cartel do Pacífico e o cartel de Juárez pelo controle da rota. A maior parte dessa guerra era matar policiais."
Como em outras partes do país, mais de 90% das mortes em Juárez são atribuídas à disputa entre cartéis. "Há duas guerras, uma entre narcotraficantes e outra, em nível muito menor, do Estado contra esses narcotraficantes", disse Samuel González, ex-procurador antidrogas da Procuradoria Geral da República.
Reyes, que anda com seis seguranças armados de fuzis, afirma que dispensou cerca de metade de sua força policial por suspeita de envolvimento com o crime.
Saulo Reyes, ex-diretor da polícia local, foi preso em 2008 nos EUA quando negociava a venda de uma tonelada de maconha.
Atualmente, os cargos de direção da polícia de Juárez estão ocupados por militares enviados pela Secretaria da Defesa Nacional. O prefeito acredita que serão necessários de seis meses a um ano para que a força volte ao comando civil e que a cidade dispense o reforço de mais de 10 mil homens, entre militares e policiais federais.
A falta de um cronograma claro para o fim da intervenção militar preocupa ativistas de direitos humanos. "Temos 10 mil pessoas que não conhecem a cidade e se consideram impunes. Os custos colaterais preocupam muito", diz Gustavo de la Rosa, da Comissão Estadual de Direitos Humanos. Segundo ele, há nove denúncias de desaparecimento. Desde 2008, foram 160 queixas de abusos.
Com 1,4 milhão de habitantes, Ciudad Juárez enfrenta ainda um difícil momento econômico por abrigar cerca de 300 "maquiladoras", empresas que aproveitam a mão-de-obra barata mexicana e a proximidade com os EUA para montar e exportar produtos. Cerca de 15 mil funcionários foram despedidos por causa da crise.

Incapacidade civil
"Ciudad Juárez representa o maior exemplo da incapacidade da autoridade civil para construir segurança", afirma o analista Ernesto López, do Instituto para a Segurança e a Democracia, da Cidade do México. "Neste momento, temos mais violência, mais droga, mais delinquência organizada, mais violação dos direitos por parte das autoridades do que três anos atrás. Ninguém ganha nada, exceto o crime organizado."
López cita um recente relatório do Congresso mexicano segundo o qual 7 de 10 crimes não chegam à polícia. Para ele, é o reflexo de uma crise de legitimidade e eficácia que atinge quase todas as polícias: cada um dos 32 Estados mexicanos tem a sua, além de mais de 1.600 forças municipais.
Outra debilidade apontada por analistas é o Judiciário. Dos 1.607 assassinatos ocorridos em Juárez no ano passado, por exemplo, apenas 50 chegaram à Justiça, segundo a Comissão Estadual de Direitos Humanos.
Calderón vem tentando reformar nas duas frentes. Em janeiro, uma nova lei padronizou regras de seleção e treinamento dos policiais. Desde 2006, o número de policiais federais aumentou de 9.000 para 26 mil. Na área judicial, uma recente reforma aprovada pelo Congresso promete agilizar a tramitação do processos.
O governo argumenta ainda que a violência ligada ao narcotráfico, embora crescente, está concentrada em três cidades: além de Juárez, Tijuana e Culiacán (centro-norte). A maior parte das mortes estaria ligada à disputa entre cartéis pelos espaços cada vez menores.



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