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ARTIGO
O meu jornal diário
Ao contrário do jornal, internet nos leva a buscar ideias afins às nossas e vai
nos isolar ainda mais em nossas câmaras políticas hermeticamente fechadas
NICHOLAS D. KRISTOF
DO "NEW YORK TIMES"
Alguns dos obituários mais
recentes não estão saindo nos
jornais, mas são dos jornais. O
"Seattle Post-Intelligencer" é o
mais recente a desaparecer, excetuando um resquício de que
vai existir só no ciberespaço, e o
público está cada vez mais buscando as notícias que consome
não nas grandes redes de televisão ou em fontes impressas em
tinta sobre árvores mortas, mas
em suas incursões on-line.
Quando navegamos on-line,
cada um de nós é seu próprio
editor, o guardião de sua própria entrada. Selecionamos o
tipo de notícias e opiniões de
que mais gostamos.
Nicholas Negroponte, do
MIT (Instituto de Tecnologia
de Massachusetts), chamou a
esse produto noticioso emergente "O Meu Jornal Diário". E,
se isso for uma tendência, que
Deus nos salve de nós mesmos.
Isso porque existem provas
bastante convincentes de que,
em geral, não desejamos realmente informações confiáveis,
e sim as que confirmem nossas
ideias preconcebidas. Podemos
acreditar intelectualmente no
valor do choque de opiniões,
mas na prática gostamos de nos
encerrar no útero tranquilizador de uma câmara de ecos.
Um estudo clássico enviou
despachos a republicanos e democratas, oferecendo-lhes vários tipos de pesquisas políticas, ostensivamente de uma
fonte neutra. Os dois grupos
mostraram mais interesse em
receber argumentos inteligentes que corroborassem suas
ideias preexistentes.
Também houve interesse
mediano em receber argumentos tolos em favor das posições
do outro partido (nós nos sentimos bem quando podemos caricaturar os outros). Mas houve
pouco interesse em estudar argumentos sólidos que pudessem enfraquecer as posições
anteriores de cada um.
Essa constatação geral foi repetida muitas vezes, como observou o autor e ensaísta Farhad Manjoo em 2008 em seu
ótimo livro "True Enough:
Learning to Live in a Post-Fact
Society" [Verdade Suficiente:
aprendendo a viver numa sociedade pós-fatos].
Permita que deixe uma coisa
clara: eu mesmo às vezes sou
culpado de buscar verdades na
web de maneira seletiva. O blog
no qual busco análises sobre
notícias do Oriente Médio frequentemente é o do professor
Juan Cole, porque ele é inteligente, bem informado e sensato -em outras palavras, frequentemente concordo com
ele. É menos provável que leia o
blog de Daniel Pipes, especialista em Oriente Médio que é
inteligente e bem informado
-mas que me parece menos
sensato, em parte porque frequentemente discordo dele.
Segregação
O efeito do "Meu Jornal" seria nos isolar ainda mais em
nossas câmaras políticas hermeticamente fechadas. Um dos
livros mais fascinantes de 2008
foi "The Big Sort: Why the
Clustering of Like-Minded
America is Tearing Us Apart"
[A grande classificação: porque
a divisão da América em agrupamentos de ideias iguais nos
está dividindo], de Bill Bishop.
Ele argumenta que os americanos vêm se segregando em comunidades, clubes e igrejas onde são cercados por pessoas
que pensam como eles.
Hoje, diz Bishop, quase metade dos americanos vive em
condados que votam por maioria avassaladora em candidatos
democratas ou republicanos.
Nos anos 60 e 70, em eleições
nacionais igualmente disputadas, só cerca de um terço dos
eleitores vivia em condados
que apresentavam maiorias
avassaladoras nas eleições.
"O país está ficando mais politicamente segregado -e o benefício que deveria advir da
presença de uma diversidade
de opiniões se perde para o sentimento de estar com a razão
que é próprio dos grupos homogêneos", escreve Bishop.
Um estudo que abrangeu 12
países concluiu que os americanos são os que demonstram
menos tendência a discutir política com pessoas de visões diferentes, e isso se aplica especialmente aos mais bem instruídos. Pessoas que não concluíram o ensino médio tinham
o grupo mais diversificado de
pessoas com quem discutiam
ideias. Já as que tinham concluído a faculdade conseguiam
colocar-se ao abrigo de ideias
que lhes eram incômodas.
O resultado disso é a polarização e a intolerância. Cass
Sunstein, professor de direito
em Harvard que agora trabalha
para o presidente Obama, fez
uma pesquisa que mostrou que,
quando progressistas ou conservadores discutem questões
como ação afirmativa ou mudanças climáticas com pessoas
que pensam como eles, suas
ideias rapidamente se tornam
mais homogêneas e mais extremas que antes da discussão.
Em um estudo, alguns progressistas inicialmente temiam
que as ações para enfrentar as
mudanças climáticas pudessem prejudicar os pobres, enquanto alguns conservadores
inicialmente se mostravam a
favor da ação afirmativa. Mas,
depois de discutir a questão durante 15 minutos com pessoas
que pensavam como eles, os
progressistas se tornavam mais
progressistas, e os conservadores, mais conservadores.
O declínio da mídia noticiosa
tradicional vai acelerar a ascensão do "Meu Jornal"; vamos
nos irritar menos com o que lemos e veremos nossas ideias
preconcebidas confirmadas
com mais frequência. O perigo
é que esse "noticiário" autosselecionado aja como entorpecente, mergulhando-nos num
estupor autoconfiante por
meio do qual enxergaremos as
coisas em preto e branco, sendo
que os fatos normalmente se
desenrolam em tons de cinza.
Qual seria a solução? Incentivos fiscais para progressistas
que assistam a Bill O'Reilly [comentarista do canal conservador Fox News] ou conservadores que vejam Keith Olbermann [âncora do canal progressista MSNBC]? Não -enquanto o presidente Obama
não nos dá o atendimento médico universal, não podemos
correr o risco de um aumento
grande no número de infartos.
Então talvez a única maneira
de avançar seja que cada um se
esforce por conta própria para
fazer uma malhação intelectual, enfrentando parceiros de
discussão cujas opiniões deploramos. Pense nisso como uma
sessão diária de exercícios
mentais análoga a uma ida à
academia: se você não se exercitou até transpirar, não valeu.
Agora, com licença. Vou ler a
página de editoriais do "Wall
Street Journal".
Tradução de CLARA ALLAIN
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