São Paulo, domingo, 29 de março de 2009

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Paquistão é elo frágil do plano antiterror de Obama

Estratégia enfrentará resistência de militares paquistaneses, contrários a ataque na fronteira

EUA prometem condicionar apoio a Islamabad, mas não definem critérios; reforçar Exército afegão é difícil por fragmentação do poder

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Dia desses a TV paga passava a reprise de um filme ruim, "Leões e Cordeiros" (Robert Redford, 2007), no qual um senador vivido por Tom Cruise tenta vender para uma jornalista a ideia de que o Afeganistão seria a nova prioridade da "guerra ao terror", com estratégias "vencedoras".
Mau cinema à parte, a lembrança foi quase inescapável ao ver Barack Obama lançar sua "nova estratégia" para o Afeganistão e, secundariamente, para o Paquistão. O problema começa aí, na grande nação às margens do Indo, mas vamos às boas notícias.
Primeiro, a negação ao falacioso "guerra ao terror", que fala por si. É louvável a adoção à política oficial do óbvio: é a Ásia Central o grande problema para o Ocidente, de quem os EUA ainda são o procurador. É da porosa fronteira Paquistão-Afeganistão que escorre a face visível do veneno do terror -que seus financiadores e inspiradores estejam em lugares como a confiável aliada Arábia Saudita, isso é outra história.
Por fim, a revisão da abordagem militar, imitando o bem-sucedido "surge" aplicado ao Iraque. A anemia no uso de tropas sempre foi uma falha crônica no trato com os mujahedin. Mas, como a União Soviética aprendeu a duras penas, isso sozinho não derrota insurgentes, assim como a incompreensão de que o Taleban e a Al Qaeda são entidades distintas não ajuda em nada.
Isso dito, o tal "plano Obama" é mais esburacado do que a rota entre Peshawar e o Waziristão do Sul. Sua falha fundamental é prometer um apoio condicionado a Islamabad, sem dizer exatamente como seria a tal cobrança de resultados no combate aos extremistas em solo paquistanês. Nada muito diferente do que fazia o governo demonizado de Bush.

Seguindo Bush
Recapitulando. Depois dos 11/9, os EUA deram sustentação e dinheiro ao regime militar ora ditatorial, ora protodemocrático de Pervez Musharraf, em troca de apoio logístico. Mas só em 2005 ficou claro que Musharraf não iria atacar voluntariamente cidadãos paquistaneses, o que só veio a acontecer após pressão de Washington -que nunca foi muito efetiva, de todo modo.
Com a desintegração do regime de Musharraf em 2008, os EUA começaram a agir por conta própria, aumentando as incursões de aviões não tripulados (36 ataques entre agosto e março) nas áreas tribais sem lei do Paquistão.
Um ensaio de uso de tropas especiais ocorreu em setembro, só para a iniciativa ser detida, depois da ameaça real de retaliação militar contra tal tipo de operação.
O frágil governo liderado por Asif Ali Zardari vive a enfrentar protestos. Tomou uma decisão polêmica, a de fazer a trégua com os extremistas que dominam o vale do Swat, onde a lei agora é a sharia.
A figura do oposicionista de histórico pouco confiável Nawaz Sharif cresce, e não são poucos os diplomatas ocidentais que defendem a abertura de diálogo com ele já. De certeza, apenas o de sempre: as Forças Armadas seguem sendo as interlocutoras reais, e foi por elas que os EUA deixaram de lado ataques terrestres por ora.
A resposta oficial de Obama a tudo isso foi nenhuma.

Confederação afegã
Sobre Afeganistão, se o "surge" é bem-vindo para melhorar as condições de segurança, ele também é questionável se acabar sendo resumido a uma estratégia em si própria. Moscou que o diga, com sua presença maciça durante a fracassada ocupação do país nos anos 80.
No centro do problema, o fato de que o Afeganistão não é o Iraque. Reforçar seu Exército, como está sendo propagandeado, é algo no mínimo temerário. A quem esses militares irão responder? Ao presidente Hamid Karzai? Ele é dado como carta fora do baralho por todos, inclusive os EUA.
Hoje o Afeganistão voltou ao estágio entre a saída dos soviéticos e a guerra civil que abriu caminho ao Taleban: uma confederação de senhores da guerra poderosos em suas províncias. Ninguém fora de Cabul respeita Karzai, e mesmo lá isso só acontece porque é onde estão concentradas as forças dos EUA e da Otan. E não se fala só dos bolsões do Taleban ao sul; o norte e o oeste estão dissociados do poder central.
Assim, o plano de Obama é bem-vindo. Mas, como acontece no filme ruim de Redford, final feliz parece algo muito distante da realidade.


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