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Paquistão é elo frágil do plano antiterror de Obama
Estratégia enfrentará resistência de militares paquistaneses, contrários a ataque na fronteira
EUA prometem condicionar apoio a Islamabad, mas não definem critérios; reforçar Exército afegão é difícil
por fragmentação do poder
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Dia desses a TV paga passava
a reprise de um filme ruim,
"Leões e Cordeiros" (Robert
Redford, 2007), no qual um senador vivido por Tom Cruise
tenta vender para uma jornalista a ideia de que o Afeganistão
seria a nova prioridade da
"guerra ao terror", com estratégias "vencedoras".
Mau cinema à parte, a lembrança foi quase inescapável ao
ver Barack Obama lançar sua
"nova estratégia" para o Afeganistão e, secundariamente, para o Paquistão. O problema começa aí, na grande nação às
margens do Indo, mas vamos às
boas notícias.
Primeiro, a negação ao falacioso "guerra ao terror", que fala por si. É louvável a adoção à
política oficial do óbvio: é a Ásia
Central o grande problema para o Ocidente, de quem os EUA
ainda são o procurador. É da
porosa fronteira Paquistão-Afeganistão que escorre a face
visível do veneno do terror
-que seus financiadores e inspiradores estejam em lugares
como a confiável aliada Arábia
Saudita, isso é outra história.
Por fim, a revisão da abordagem militar, imitando o bem-sucedido "surge" aplicado ao
Iraque. A anemia no uso de tropas sempre foi uma falha crônica no trato com os mujahedin.
Mas, como a União Soviética
aprendeu a duras penas, isso
sozinho não derrota insurgentes, assim como a incompreensão de que o Taleban e a Al Qaeda são entidades distintas não
ajuda em nada.
Isso dito, o tal "plano Obama" é mais esburacado do que a
rota entre Peshawar e o Waziristão do Sul. Sua falha fundamental é prometer um apoio
condicionado a Islamabad, sem
dizer exatamente como seria a
tal cobrança de resultados no
combate aos extremistas em
solo paquistanês. Nada muito
diferente do que fazia o governo demonizado de Bush.
Seguindo Bush
Recapitulando. Depois dos
11/9, os EUA deram sustentação e dinheiro ao regime militar ora ditatorial, ora protodemocrático de Pervez Musharraf, em troca de apoio logístico.
Mas só em 2005 ficou claro que
Musharraf não iria atacar voluntariamente cidadãos paquistaneses, o que só veio a
acontecer após pressão de
Washington -que nunca foi
muito efetiva, de todo modo.
Com a desintegração do regime de Musharraf em 2008, os
EUA começaram a agir por
conta própria, aumentando as
incursões de aviões não tripulados (36 ataques entre agosto e
março) nas áreas tribais sem lei
do Paquistão.
Um ensaio de uso de tropas
especiais ocorreu em setembro, só para a iniciativa ser detida, depois da ameaça real de retaliação militar contra tal tipo
de operação.
O frágil governo liderado por
Asif Ali Zardari vive a enfrentar
protestos. Tomou uma decisão
polêmica, a de fazer a trégua
com os extremistas que dominam o vale do Swat, onde a lei
agora é a sharia.
A figura do oposicionista de
histórico pouco confiável Nawaz Sharif cresce, e não são
poucos os diplomatas ocidentais que defendem a abertura
de diálogo com ele já. De certeza, apenas o de sempre: as Forças Armadas seguem sendo as
interlocutoras reais, e foi por
elas que os EUA deixaram de
lado ataques terrestres por ora.
A resposta oficial de Obama a
tudo isso foi nenhuma.
Confederação afegã
Sobre Afeganistão, se o "surge" é bem-vindo para melhorar
as condições de segurança, ele
também é questionável se acabar sendo resumido a uma estratégia em si própria. Moscou
que o diga, com sua presença
maciça durante a fracassada
ocupação do país nos anos 80.
No centro do problema, o fato de que o Afeganistão não é o
Iraque. Reforçar seu Exército,
como está sendo propagandeado, é algo no mínimo temerário. A quem esses militares irão
responder? Ao presidente Hamid Karzai? Ele é dado como
carta fora do baralho por todos,
inclusive os EUA.
Hoje o Afeganistão voltou ao
estágio entre a saída dos soviéticos e a guerra civil que abriu
caminho ao Taleban: uma confederação de senhores da guerra poderosos em suas províncias. Ninguém fora de Cabul
respeita Karzai, e mesmo lá isso só acontece porque é onde
estão concentradas as forças
dos EUA e da Otan. E não se fala
só dos bolsões do Taleban ao
sul; o norte e o oeste estão dissociados do poder central.
Assim, o plano de Obama é
bem-vindo. Mas, como acontece no filme ruim de Redford, final feliz parece algo muito distante da realidade.
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