São Paulo, domingo, 29 de abril de 2007

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Diante de vazio ideológico, China revaloriza Confúcio

Partido Comunista usa o mais famoso filósofo chinês para melhorar imagem do governo

Febre no país, Confúcio, que foi atacado por Mao, agora batiza institutos do governo comunista e é usado como verniz para ideologia oficial

RICHARD MCGREGOR
DO "FINANCIAL TIMES", EM PEQUIM

O Partido Comunista chinês em geral demonstra profunda hostilidade com relação a quaisquer movimentos sociais ou religiosos populares que proponham alternativas ao seu domínio. Mas quando Yu Dan, uma acadêmica de Pequim, publicou um best seller sobre Confúcio, em 2006, as autoridades expressaram silenciosa aprovação ao seu trabalho.
O livro de Yu, professora de mídia e cultura na Universidade Normal de Pequim, é um guia para as idéias do mais famoso filósofo chinês, que viveu 2.500 anos atrás e vendeu mais de dois milhões de cópias. "O pensamento de Confúcio deitou raízes profundas na cultura chinesa, e continua vivo hoje", disse Yu, que se tornou quase uma celebridade, em rápida entrevista telefônica.
Começa a ficar evidente que Confúcio desfruta de mais que um renascimento de sua popularidade. Passa também por uma ressurreição política, promovida por um Partido Comunista que, na era de Mao Tsé-Tung, apenas uma geração atrás, o havia atacado como símbolo de feudalismo antiquado e despachado os chamados guardas vermelhos, jovens militantes da revolução cultural, de Pequim para Qufu, a cidade de Confúcio, para destruir o templo feito em sua honra.
"Houve uma completa reviravolta na atitude oficial para com Confúcio", disse Zhou Guidian, da Universidade Renmin, que assessora o governo em novos programas de ensino sobre Confúcio nas escolas.
O retorno é uma das peças centrais do esforço do partido para reformular seu controle exclusivo do poder e apresentá-lo como continuação de uma longa tradição de governo esclarecido. "Sociedade harmoniosa" é o lema político de Hu Jintao, que ocupa os principais postos de liderança na China.
As tradições confucianas estão sendo mescladas aos conceitos do partido de "democracia socialista", a fim de formar uma nova ideologia oficial. "Confúcio disse que a harmonia era importante e a campanha da "sociedade harmoniosa" promovida por Hu se aproveita disso", diz Andy Rothman, estrategista da corretora CKSA para o mercado chinês.

Propaganda no exterior
O filósofo também é parte dos esforços da China para melhorar a imagem internacional, e seu nome foi dado a institutos de estudo do idioma e da cultura do governo no mundo. Pequim planeja ter 500 institutos Confúcio até o final da década.
A China tem objetivos concretos. Os institutos ajudariam os estrangeiros a corrigir sua "falta de compreensão" sobre o país e a solapar resistências a seus avanços. Confúcio também pode servir como antídoto para a religião organizada, que cresce rápido na China, especialmente o cristianismo. Em um país em mudança vertiginosa, a retomada dos valores confucianos se provou popular e reconfortante. Novos institutos de pesquisa não param de surgir.
Mas o retorno de Confúcio não quer dizer que a liberdade intelectual tenha sido autorizada. O que está ausente na mania atual é o lado menos conveniente dos ensinamentos de Confúcio, que sanciona a dissensão política e defende o papel dos intelectuais como críticos do mau governo.
E a ênfase em Confúcio e na "harmonia" não é simplesmente uma manobra cínica de relações públicas. Hu e o primeiro-ministro Wen Jiabao fizeram do combate às desigualdades sua plataforma política. "Diante da luta de classes, acreditamos que a harmonia esteja mais de acordo com nossa cultura tradicional", diz Yang Chaoming, diretora do Instituto Confúcio de Estudos Culturais.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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