São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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SUCESSÃO NOS EUA / FOGO AMIGO

Bush foi desonesto sobre Iraque, diz assessor

Em livro crítico ao presidente, ex-porta-voz Scott McClellan afirma que Casa Branca manipulou opinião pública e mídia

Secretário de imprensa, que deixou o cargo em 2006, é o primeiro do círculo íntimo a escrever contra o governo; Bush se diz "estarrecido"

Charles Dharapak/Associated Press
Bush e cadete da Força Aérea batem no peito durante formatura no Texas; presidente diz estar desapontado com ex-assessor

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

No mais recente livro de um ex-assessor de George W. Bush que faz denúncias graves somente depois de deixar o poder, o ex-porta-voz da Casa Branca Scott McClellan afirma que o presidente norte-americano não foi "franco" nem totalmente "honesto" sobre os motivos que levaram o mundo à Guerra do Iraque, em 2003.
Bush e sua equipe "gerenciaram a crise [pré-guerra] de tal modo que era quase uma garantia que o uso da força se tornaria a única opção factível", escreve o ex-secretário de imprensa em "What Happened - Inside the Bush White House and Washington's Culture of Deception" (O que aconteceu - por dentro da Casa Branca de Bush e da cultura do engano de Washington), a ser lançado na próxima terça, mas obtido pelo site Politico anteontem.
"Durante o verão de 2002, os principais assessores de Bush haviam planejado uma estratégia para orquestrar cuidadosamente a campanha vindoura para vender agressivamente a guerra. [...] Na era da campanha permanente, tudo se tratava de manipular fontes de opinião pública em benefício do presidente", diz McClellan. "O que eu sei é que uma guerra só deveria ser travada quando fosse necessário, e a Guerra do Iraque não era necessária."
McClellan, 40, ocupou o cargo de julho de 2003 a abril de 2006, quando foi defenestrado. Considerado pela imprensa especializada um dos piores porta-vozes recentes por sua ingenuidade e despreparo, fazia parte da equipe de Bush desde seus tempos como governador do Texas, nos anos 90. Embora não seja original ao atirar após sair (o ex-czar antiterror Richard Clarke é outro exemplo), é o primeiro do chamado "Grupo do Texas" a fazê-lo.
No livro de 341 páginas, o ex-secretário de imprensa ataca a atuação do governo após o furacão Katrina -"um dos piores desastres da história de nosso país virou um dos maiores desastres da Presidência de Bush"- e critica a atitude da imprensa norte-americana antes e durante os primeiros meses da guerra, que qualifica como "respeitadora em demasiado". "Nesse caso, a "mídia progressista" não fez jus a sua reputação. Se tivesse feito, o país estaria numa situação melhor."
Parte do livro havia vazado no ano passado e dava a entender que tanto Bush quanto seu vice, Dick Cheney, haviam acobertado a participação de membros do governo no vazamento do nome da ex-espiã da CIA Valerie Plame, em 2003, em retaliação ao marido dela, um diplomata crítico das justificativas para a guerra. A impressão é corrigida agora: o ex-assessor diz que Bush parecia acreditar no que depois se revelou ser apenas uma manobra.
Tal capacidade do presidente é citada em outra ocasião: quando os dois comentam o uso de cocaína por Bush quando jovem. Aconteceu em 1999, durante a campanha presidencial, em que McClellan levanta a possibilidade de a imprensa tocar no assunto. "A verdade é que eu honestamente não me lembro se usei ou não", teria dito Bush a ele, que se perguntou: "Como pode ser? Como alguém pode simplesmente não se lembrar se usou ou não uma substância ilegal como essa?"
Houve ainda quem visse nos relatos base para um pedido de impeachment. O livro "é o argumento de um homem muito próximo ao presidente, incumbido de ser seu porta-voz por tantos anos, de que o presidente deliberadamente enganou o país sobre as razões de ir à guerra", escreveu o conservador Andrew Sullivan, no site da revista "The Atlantic".

Reação da Casa Branca
Indagada sobre a reação do presidente, Dana Perino, que sucedeu McClellan, disse que Bush se sentiu "estarrecido", que não reconhece o autor como "o Scott McClellan que ele contratou e do qual foi confidente" e está "desapontado por ele ter essas preocupações e nunca as ter externado quando estava na Casa Branca".


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