São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 2006

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Defensor de autonomia acusa Morales de totalitário

Governador do departamento mais rico da Bolívia vê em sua região ameaça a presidente

Rubén Costas afirma não descartar ação separatista em Santa Cruz; referendo e eleição de Constituinte ocorrem neste domingo


FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ

Principal líder da campanha em favor de maior autonomia no referendo de domingo, o primeiro governador eleito do departamento (Estado) mais rico da Bolívia, Rubén Costas, disse que Santa Cruz é a única ameaça ao "modelo totalitarista" do presidente Evo Morales e não descarta um processo separatista em sua região. No domingo, os bolivianos irão às urnas eleger uma nova Assembléia Constituinte e votar num referendo sobre se os departamentos devem ou não ter mais independência em relação ao governo central. Morales é contra dar mais autonomia e tenta a difícil tarefa de eleger dois terços da Assembléia, o que lhe daria poder para aprovar matéria constitucional -inclusive o tema da autonomia- sem necessidade de negociar com a oposição. A seguir, a entrevista concedida ontem por Costas à Folha.

 

FOLHA - Qual é a forma de autonomia que o senhor defende?
RUBÉN COSTAS -
Há apenas uma forma. O modelo centralista concentra todo o poder, com pouco controle social e distanciamento do poder em relação ao cidadão, gerando corrupção, clientelismo. E o contrário é a autonomia, que desconcentra o poder, os recursos, a tomada de decisões, se aproxima do povo.

FOLHA - Como tem sido o seu relacionamento com Morales?
COSTAS -
De uma fria cordialidade e respeito ao que cada um tem de fazer. Ultimamente, houve um ataque direto contra mim, mas isso é político, porque ele vai perder. E sabe que a única ameaça ao modelo totalitarista que estão propondo é Santa Cruz. A Prefeitura (governo) de Santa Cruz é produto desse movimento, e seguramente ele vai tentar nos desprestigiar. Mas é parte da política -não da boa política, claro.

FOLHA - Por que, diferentemente do MAS (Movimento ao Socialismo), de Morales, o sr. defende que o resultado seja considerado individualmente, por departamento?
COSTAS -
O referendo é departamental. Isso está no fundamento básico das autonomias, que são assimétricas. Ele diz respeito a uma posição democrática. Se queremos começar a avançar nesse processo, temos todo o direito. Se outros departamentos não querem, também têm. O MAS quer um resultado nacional. É uma aberração.

FOLHA - No caso de o "sim" ganhar em Santa Cruz e outros departamentos e de o MAS obter maioria na Assembléia, quais os riscos políticos desse impasse sobre o referendo?
COSTAS -
Acredito que o MAS não terá os dois terços necessários para a aprovação. Uma situação é a de que será necessário negociar. A outra é a de que o MAS -diante da impossibilidade de buscar um governo centralista e da hipótese de ser impedido democraticamente, pelo referendo e pela Constituinte, de ir em direção a um modelo autocrático e autoritário- possa endurecer a posição e fazer o que na realidade já vem fazendo: administrar por decreto, deixar o Legislativo de lado, fazer discurso duplo, permitir que seus partidários tomem as instituições e criar medidas populistas, como a nacionalização. Seguramente, se conseguirem o poder absoluto, tomarão medidas prejudiciais à nossa forma de vida.

FOLHA - Nesse cenário, há o risco da secessão de Santa Cruz?
COSTAS -
Estamos lutando permanentemente para fazer mudanças sob a democracia. Queremos uma revolução, mas em paz. Quando houve esses processos, sempre fomos acusados de separatistas, xenófobos -todos os males que fazem hoje alguns grupos fundamentalistas com traços de indigenismo. É a mesma oligarquia minero-feudal que governou o país por muitos anos e espera que outra vez se centralize. Pior agora, com a estatização e os modelos deslocados, que já não se pode reeditar. Seguramente essa experiência vai criar mais pobreza, desigualdade. E é aí que o povo se rebela. Sobre o perigo de uma secessão, não sei. Mas quem pode tirar o direito de lutar por sua forma de vida, seus ideais, princípios e valores? Você deve acreditar na vida, na paz, mas o que acontece se eu o ataco, tento tirar sua vida? No mínimo, você tenta se defender.

FOLHA - A campanha do "sim" tem enfatizado a polarização de Santa Cruz com o governo, mas Morales teve mais de 30% no departamento em dezembro e tem uma popularidade de 80% no país. Não é uma falsa polarização?
COSTAS -
Isso depende de como se descasca a batata, como se diz aqui. Ele teve 30%, enquanto nós tivemos 70%. Não é buscar a polarização. Antes de ele ser presidente, estávamos nessa linha. Acreditando que ele tenha níveis de aprovação interessantes, é necessário ver, depois de domingo, se ele mantém esse 54% [percentual com o qual foi eleito]. E não se esqueça de que a votação de Morales reflete a decepção de um sistema caduco. Muitos mudaram pela mudança, não porque eram pró-MAS. Vamos ver se isso se repete.


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