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Defensor de autonomia acusa Morales de totalitário
Governador do departamento mais rico da Bolívia vê em sua região ameaça a presidente
Rubén Costas afirma não
descartar ação separatista
em Santa Cruz; referendo e
eleição de Constituinte
ocorrem neste domingo
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ
Principal líder da campanha
em favor de maior autonomia
no referendo de domingo, o primeiro governador eleito do departamento (Estado) mais rico
da Bolívia, Rubén Costas, disse
que Santa Cruz é a única ameaça ao "modelo totalitarista" do
presidente Evo Morales e não
descarta um processo separatista em sua região.
No domingo, os bolivianos
irão às urnas eleger uma nova
Assembléia Constituinte e votar num referendo sobre se os
departamentos devem ou não
ter mais independência em relação ao governo central.
Morales é contra dar mais
autonomia e tenta a difícil tarefa de eleger dois terços da Assembléia, o que lhe daria poder
para aprovar matéria constitucional -inclusive o tema da autonomia- sem necessidade de
negociar com a oposição. A seguir, a entrevista concedida ontem por Costas à Folha.
FOLHA - Qual é a forma de autonomia que o senhor defende?
RUBÉN COSTAS - Há apenas uma
forma. O modelo centralista
concentra todo o poder, com
pouco controle social e distanciamento do poder em relação
ao cidadão, gerando corrupção,
clientelismo. E o contrário é a
autonomia, que desconcentra o
poder, os recursos, a tomada de
decisões, se aproxima do povo.
FOLHA - Como tem sido o seu relacionamento com Morales?
COSTAS - De uma fria cordialidade e respeito ao que cada um
tem de fazer. Ultimamente,
houve um ataque direto contra
mim, mas isso é político, porque ele vai perder. E sabe que a
única ameaça ao modelo totalitarista que estão propondo é
Santa Cruz. A Prefeitura (governo) de Santa Cruz é produto
desse movimento, e seguramente ele vai tentar nos desprestigiar. Mas é parte da política -não da boa política, claro.
FOLHA - Por que, diferentemente
do MAS (Movimento ao Socialismo),
de Morales, o sr. defende que o resultado seja considerado individualmente, por departamento?
COSTAS - O referendo é departamental. Isso está no fundamento básico das autonomias,
que são assimétricas. Ele diz
respeito a uma posição democrática. Se queremos começar a
avançar nesse processo, temos
todo o direito. Se outros departamentos não querem, também
têm. O MAS quer um resultado
nacional. É uma aberração.
FOLHA - No caso de o "sim" ganhar
em Santa Cruz e outros departamentos e de o MAS obter maioria na
Assembléia, quais os riscos políticos
desse impasse sobre o referendo?
COSTAS - Acredito que o MAS
não terá os dois terços necessários para a aprovação. Uma situação é a de que será necessário negociar. A outra é a de que
o MAS -diante da impossibilidade de buscar um governo
centralista e da hipótese de ser
impedido democraticamente,
pelo referendo e pela Constituinte, de ir em direção a um
modelo autocrático e autoritário- possa endurecer a posição
e fazer o que na realidade já
vem fazendo: administrar por
decreto, deixar o Legislativo de
lado, fazer discurso duplo, permitir que seus partidários tomem as instituições e criar medidas populistas, como a nacionalização. Seguramente, se
conseguirem o poder absoluto,
tomarão medidas prejudiciais à
nossa forma de vida.
FOLHA - Nesse cenário, há o risco
da secessão de Santa Cruz?
COSTAS - Estamos lutando permanentemente para fazer mudanças sob a democracia. Queremos uma revolução, mas em
paz. Quando houve esses processos, sempre fomos acusados
de separatistas, xenófobos -todos os males que fazem hoje alguns grupos fundamentalistas
com traços de indigenismo. É a
mesma oligarquia minero-feudal que governou o país por
muitos anos e espera que outra
vez se centralize. Pior agora,
com a estatização e os modelos
deslocados, que já não se pode
reeditar. Seguramente essa experiência vai criar mais pobreza, desigualdade. E é aí que o
povo se rebela.
Sobre o perigo de uma secessão, não sei. Mas quem pode tirar o direito de lutar por sua
forma de vida, seus ideais, princípios e valores? Você deve
acreditar na vida, na paz, mas o
que acontece se eu o ataco, tento tirar sua vida? No mínimo,
você tenta se defender.
FOLHA - A campanha do "sim" tem
enfatizado a polarização de Santa
Cruz com o governo, mas Morales
teve mais de 30% no departamento
em dezembro e tem uma popularidade de 80% no país. Não é uma falsa polarização?
COSTAS - Isso depende de como
se descasca a batata, como se
diz aqui. Ele teve 30%, enquanto nós tivemos 70%. Não é buscar a polarização. Antes de ele
ser presidente, estávamos nessa linha. Acreditando que ele
tenha níveis de aprovação interessantes, é necessário ver, depois de domingo, se ele mantém esse 54% [percentual com
o qual foi eleito]. E não se esqueça de que a votação de Morales reflete a decepção de um
sistema caduco. Muitos mudaram pela mudança, não porque
eram pró-MAS. Vamos ver se
isso se repete.
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