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ENTREVISTA DA 2ª - ABBAS MILANI
O Irã pode se transformar em um novo Paquistão
Analista iraniano identifica risco de uma ditadura militar se instalar em Teerã
RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM
SERGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Se conseguir esmagar a oposição, o Irã corre o risco de se
tornar "um novo Paquistão",
"uma ditadura militar usando
aiatolás como ferramentas subservientes". A opinião é do diretor do Centro de Estudos do
Irã da Universidade Stanford, o
iraniano Abbas Milani, 60, um
dos pensadores mais prestigiados nos Estados Unidos sobre o
Irã. Ele dirigiu o Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Teerã até 1987,
quando deixou o país.
Para ele, o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país, sai
enfraquecido porque "sua voz
foi desafiada e precisou se sustentar na Guarda Revolucionária para garantir Ahmadinejad
no poder". Ele também fala da
real disputa interna pelos negócios de petróleo e infraestrutura, que, segundo ele, Ahmadinejad foi entregando a militares e milicianos.
Milani falou à Folha por telefone, da Califórnia, onde moram 2 milhões de iranianos.
REGIME ISOLADO
A liderança iraniana está
buscando um país mais isolado
ao resto do mundo, com uma
retórica mais agressiva e uma
repressão doméstica maior.
Eles acham que essa é a única
forma de manter a coesão interna. Um regime mais aberto
tiraria a razão de existir da teocracia dos aiatolás.
TESTE DE FORÇAS
A oposição verá se consegue
organizar mais protestos em
massa, eventualmente greve
geral. Khamenei e Ahmadinejad e seus aliados vão tentar garantir que nada disso aconteça
e continuar com as prisões de
jornalistas e partidários de
Mousavi. Se a situação for bem-sucedida, veremos Ahmadinejad tomar posse do segundo
mandato muito em breve e começar seu segundo mandato
num período de relativa calma.
Será uma impressão falsa passada ao mundo, mas será a impressão imediata.
GOLPE PREVENTIVO
Acho que houve um golpe
preventivo. Eles temiam ou tinham certeza de que perderiam a eleição e não quiseram
correr riscos. Mousavi sempre
teve uma péssima relação com
o aiatolá Khamenei. Na época
em que os dois coabitaram,
Mousavi foi um primeiro-ministro forte, o maior executivo
do governo com total apoio do
então aiatolá Khomeini, e Khamenei foi um presidente com
poderes limitados. Quando
Khamenei virou líder supremo,
Mousavi passou para uma hibernação política de 20 anos,
pintando e desenhando prédios. Quando voltou, Khamenei viu que havia uma ameaça.
ENFRAQUECIDOS
Se conseguirem massacrar a
oposição, tanto Khamenei
quanto Ahmadinejad terão poderes mais limitados, sairão
mais enfraquecidos. Deverão
muito à Guarda Revolucionária
e aos basijis (a milícia paramilitar "vigilantes da Revolução").
E terão de dividir o poder. Khamenei ficará endividado com
Ahmadinejad, que, internamente, terá mais poder, mas ficará como o presidente que não
venceu a eleição.
PAQUISTANIZAÇÃO
O Irã corre o risco de virar
um novo Paquistão. Os militares podem começar a mandar
mais e mais, e colocar os aiatolás de lado. Há até o risco de que
Ahmadinejad dê um golpe para
virar o ditador único.
Em vários sentidos, o governo Ahmadinejad já militarizou
o país, com 80% de seus ministros ex-comandantes da Guarda Revolucionária. O ministro
do Interior, que comandou a
apuração dos votos, é ex-brigadista. Embaixadores e governadores são militares. O poder religioso diminuiu.
PETRÓLEO
Há uma enorme disputa de
poder pelos grandes negócios
do Irã, do petróleo à construção
de infraestrutura. Basijis e a
Guarda Revolucionária já fazem bilhões em negócios petrolíferos e de construção, e no governo Ahmadinejad ganharam
diversos contratos. Nos últimos 12 meses, empresas ligadas às duas forças ganharam 1,4
mil projetos só na área de irrigação. E isso é só um pequeno
setor do governo! Seus comandantes vão querer mais poder.
LÍDER DESAFIADO
Khamenei sai diminuído. Em
20 anos como supremo líder,
sua palavra determinava o fim
da discussão e todo mundo seguia. Agora, não. Para quem era
a voz de Deus, sua figura encolheu. Antes mesmo do final da
apuração, o papel de Khamenei
disse muito. Ele não esperou
para referendar os resultados
três dias após o anúncio. Apressou-se para anunciar o resultado e pedir aos adversários que
apoiassem Ahmadinejad.
Agora, seu destino está amarrado ao de Ahmadinejad. Não
se sabe o quanto ele pode contar com a obediência da Guarda
Revolucionária ou até se ele se
transformou em uma arma
subserviente desta.
AGENDA DE OBAMA
O presidente americano tem
lidado muito bem com a situação. Tem tomado cuidado para
não dar ao regime uma desculpa para dizer que esse é um
evento insuflado pelos americanos, mas deixou claro que está do lado do povo iraniano. Ao
mesmo tempo, manteve aberta
a possibilidade de, daqui a meses, negociar sobre o programa
nuclear. Foram oito anos de
Bush no extremo oposto, incluindo o Irã no "eixo do mal",
anunciando US$ 75 milhões
para movimentos que querem
derrubar o atual governo, dizendo que apoia mudança de
regime. Isso em cima de 50, 60
anos de relações traumáticas.
NEGOCIAR COM O IRÃ
Há visões conflitantes, de
que o iraniano não está interessado em política e os EUA têm
de lidar com o regime atual tal
como é. Mas alguns de nós dizemos não, há um movimento democrático e, mesmo que os
EUA negociem com o Irã, não
devem perder esse movimento
de vista. A solução é que ele ganhe espaço. Obama sabe disso.
RELÓGIO DA HISTÓRIA
Há possibilidade de vitória.
Se milhões continuarem a ir às
ruas, a força brutal do regime
terá de se recolher. Você adia
um round da luta, mas o relógio
da história está contra os aiatolás. Veja as fotos da oração de
sexta-feira de Khamenei, onde
só há septuagenários com
ideias medievais, e as fotos das
manifestações, cheias de mulheres e jovens. Dois mundos
que não se misturam.
APATIA E EXÍLIO
Meu temor é que a apatia e a
descrença da classe média iraniana só cresçam a partir de
agora. Desde os anos 90, milhares de doutores e profissionais
qualificados emigram por ano
por acharem que o país não tem
solução. Há 5 milhões de iranianos no exterior. Se os ultraconservadores reprimirem ainda mais a liberdade, o número
vai aumentar.
AHMADINEJAD
Não há dúvidas de que Ahmadinejad tem uma base de
apoio entre os mais pobres e os
camponeses. Mas é a base que
mais sofre com a crise econômica do governo dele. Não tenho dúvidas de que houve fraude. Ahmadinejad pode ter 30%
dos votos, pouco mais, e ganhou em 2005 porque houve
boicote da classe média contra
a eleição pela desilusão com a
ausência de reformas.
O comparecimento foi de
metade do eleitorado. Agora foi
de 84%. A coligação que seguiu
Mousavi é muito maior e mais
abrangente. Mulheres, jovens,
universitários, classe média,
minorias étnicas, mercadores
dos bazares, aiatolás como
Montazeri e Rafsanjani e o
muito popular Khatami. Foi
um plebiscito sobre o status
quo e Ahmadinejad.
REPRESSÃO
A Guarda Revolucionária já
havia dito que reprimiria a "Revolução de Veludo" antes das
eleições. Na própria sexta-feira, horas depois do fechamento
das urnas, Ahmadinejad já era
declarado vencedor. Mas os
anúncios foram feitos de forma
bagunçada. Cada porcentagem
dos candidatos permaneceu
igual do início ao fim da apuração, estatisticamente impossível em um país diverso como o
Irã. E a demonstração de força
militar se sucedeu nas ruas. Tudo prenunciava um golpe.
MUDANÇA DE REGIME
Acho que a mudança de regime virá, mas de dentro do Irã.
Não vejo ninguém de fora com
força para qualquer coisa. Mas
a mudança interna será gradual. Não chamaremos de mudança de regime, mas será uma
mudança fundamental no país
como o conhecemos, em que
um homem comanda tudo.
Veremos gradualmente a
emergência de uma estrutura
política mais robusta, em que
os impedimentos para uma representatividade legítima serão removidos. Será mais parecido com a ideia inicial da revolução islâmica, em que o papel
do líder supremo, do aiatolá,
era mais decorativo, inspirado
no da rainha da Inglaterra, não
o que Khamenei se tornou, um
líder autoritário com a palavra
final em assuntos de Estado.
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