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GUERRA SEM LIMITES
Pela primeira vez, o MSF deixa um país por insegurança; grupo critica os governos afegão e americano
Medo tira Médicos Sem Fronteiras do Afeganistão
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
Alegando razões de segurança e
dificuldades criadas pelo Exército
americano, o grupo humanitário
Médicos Sem Fronteiras (MSF)
anunciou ontem que deixará de
atuar no Afeganistão.
A decisão foi divulgada no dia
em que uma bomba matou duas
pessoas da Província de Ghazni.
O atentado atingiu uma mesquita
onde afegãos estavam se registrando para votar na eleição presidencial, prevista para outubro.
No último dia 2 de junho, cinco
integrantes do MSF foram assassinados. O grupo acusa o governo
afegão de "falta de vontade" de
prender os responsáveis, o que o
presidente Hamid Karzai negou .
Além disso, a atuação "humanitária" do Exército americano não
distingue claramente seus integrantes dos de outras organizações independentes e privilegia os
aliados, disse à Folha a diretora-operacional do MSF na Holanda,
Josje Reinartz, que coordena o
trabalho no Afeganistão. Os EUA
negaram.
A entidade, Nobel da Paz de
1999, atuava havia 24 anos no
país. Desde a Guerra do Afeganistão (2001), tinha 80 voluntários
internacionais e 1.400 afegãos trabalhando em todo o país. O MSF
atua em mais de 80 países, oferecendo ajuda em locais de conflito.
É a primeira vez que se retira por
razões de segurança.
Os integrantes do MSF assassinados foram mortos quando voltavam do trabalho, num carro
identificado como pertencente à
organização. A milícia extremista
Taleban, derrubada do poder pelos EUA em 2001, reclamou a autoria do crime. Mas Reinartz disse
que a organização tem dúvidas
sobre a veracidade da afirmação.
Ela reclamou da atuação do governo afegão. "As autoridades
nos disseram que investigaram o
crime e que tinham idéia de quem
tinha sido responsável, mas até
agora não prenderam ninguém.
Para nós, isso foi um sinal de que
eles não querem realmente manter um mínimo de segurança para
os trabalhadores humanitários."
Um porta-voz do Taleban acusou o MSF de trabalhar em nome
dos interesses dos americanos.
"Não temos objetivos políticos",
disse Reinartz. Ela criticou os esforços humanitários dos americanos, usados muitas vezes com objetivos políticos e militares.
"O fato de que a coalizão dificultou a distinção entre a atuação política e militar, de um lado, e a ajuda humanitária, do outro, realmente não ajudou a nossa causa.
Militares têm dado assistência a
civis, usando carros brancos como os nossos. Fica difícil para as
pessoas nos reconhecerem como
um grupo independente. Pensamos que eles, ao tentarem cooptar
ajuda para seus objetivos políticos, criaram riscos adicionais aos
grupos humanitários."
Reinartz dá um exemplo: "Em
maio, a coalizão distribuiu panfletos em que dizia à população que,
se eles ajudassem com informações sobre a localização de integrantes do Taleban e da Al Qaeda,
eles poderiam "assegurar a continuidade" da ajuda humanitária".
O ataque ao MSF não foi um ato
isolado, mas parte de um quadro
de escalada da violência no Afeganistão. Mais de 30 integrantes de
grupos humanitários foram mortos desde março de 2003 no país.
O presidente Hamid Karzai disse lamentar a decisão do MSF e
afirmou que as autoridades estão
investigando o assassinato de
seus integrantes.
Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA disse
que o governo americano "lamenta" a decisão do MSF, mas
também negou que as forças americanas tenham tentado usar a
ajuda humanitária como meio de
atingir objetivos políticos ou militares. "Nunca condicionamos
nossa ajuda à cooperação com
operações militares."
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