São Paulo, sexta-feira, 29 de julho de 2005

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ARTIGO

Terrorismo de Estado

WÁLTER F. MAIEROVITCH
ESPECIAL PARA A FOLHA

O governo do premiê Tony Blair trouxe o terrorismo de Estado para dentro de casa. Ou seja, concedeu, com base em meras suposições, licença para matar à Scotland Yard e aos arapongas do serviço secreto, conhecido como MI5. Infelizmente, a primeira vítima fatal foi o brasileiro Jean Charles de Menezes.
Frise-se, o fato de Jean Charles estar ilegalmente naquele país não conferia à polícia inglesa o direito de executá-lo. No caso, com a agravante de os oitos disparos terem sido realizados com a vítima no chão e dominada.
O medo disseminado pelo terrorismo de matriz wahabista da Al Qaeda trouxe o pânico à polícia britânica, que se proclama educada à legalidade democrática. A violência da Scotland Yard vem num crescer racista e intolerante. Passou-se da prisão sem causa e da deportação de estrangeiros indesejáveis para o assassinato, rasgando-se a lei de proteção a direitos humanos que o próprio Blair aprovou.
Antes do assassinato do brasileiro Jean Charles, os britânicos praticavam o terrorismo fora dos seus domínios, como revela a história. Isso para garantir monopólios, conquistar territórios, manter os seus interesses geopolíticos e brecar rivais. Para enfraquecer governos, passaram ajuda financeira para dissidentes e políticos ambiciosos.
O sucedido com o brasileiro mostra o erro de enfrentar o terrorismo, que é espécie do gênero crime organizado, com as mesmas armas desumanas, na base da lei de talião.
Jean Charles foi alvejado por oito projéteis. Sete deles na cabeça e outro no ombro, este último a revelar erro de pontaria. Todo policial sabe que a reação de um extracomunitário, sem visto de permanência, é tentar fugir.
Conforme testemunhos, Jean Charles assustou-se com a perseguição encetada por 20 agentes em trajes civis, que só depois do assassinato se identificaram como policiais. Jogado ao chão e indefeso, virou alvo de tiros certeiros, quando era exigível conduta diversa.
Pelo que se sabe, as chamadas forças de ordem britânicas estão autorizadas a atirar na cabeça, para depois conferir as suspeitas. Segundo oficiais do Exército israelense, o petardo recebido na cabeça interrompe os comandos cerebrais transmitidos aos músculos. Dessa maneira, um terrorista suicida atingido no cérebro fica incapacitado de acionar o detonador de explosivos carregados junto ao corpo.
Para a polícia britânica, a desconfiança vira suspeita em face de diferenças étnicas, de fisionomias orientais, de credo religioso islâmico e de condições sociais. Jean Charles era moreno e estrangeiro, ou seja, vestia o manequim básico do terrorista internacional.
Pelo que se divulgou, as suspeitas cresceram pelo fato de Jean Charles carregar mochila (acessório de terroristas) e vestir agasalho em pleno verão. Também pesou a circunstância de ele morar no bairro de Brixton, sempre na mira por abrigar paquistaneses da linha fundamentalista que caracterizava o Taleban afegão.
Em Brixton, para a Scotland Yard, poderiam estar escondidos os candidatos a terroristas kamikazes, executores dos quatro atentados frustrados do último 21 de julho: em composições do metrô e no ônibus da linha 26.
Na véspera do assassinato de Jean Charles, a tensão policial tinha aumentado, pois populares encontraram uma quinta bomba do grupo kamikase de quinta-feira. Estava no interior de uma mochila abandonada em canteiro vizinho ao presídio londrino de Wormiwood.
Jean foi seguido da sua residência até a estação de Stockwell. Não foi abordado durante o trajeto, e nada teria acontecido se não tivesse ingressado na estação do metrô, um símbolo capaz de dar vazão à paranóia policial.
Na estação de Stockwell, consoante revelou Ian Blair, chefe da Scotland Yard, os terroristas do frustrado atentado da quinta 21 tinham se encontrado. Mas todas as justificativas até agora apresentadas não se prestam para legitimar a violência e os abusos dos policiais britânicos.
O dever de todo policial é enfrentar o perigo e não se portar como um assassino. E os assassinos, no caso de Jean Charles, tinham licença para matar.


Wálter Fanganiello Maierovitch, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanne Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).

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