|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TERROR EM LONDRES
Faixas chamam eletricista morto pela polícia de mártir e criticam "terrorismo" britânico; enterro será hoje
Com pesar e revolta, Gonzaga recebe corpo
LUCIANA COELHO
ENVIADA ESPECIAL A GONZAGA (MG)
Foi ao som do Hino Nacional e
de "Oh, Minas Gerais" que a pequena Gonzaga, a 300 km de Belo
Horizonte, recebeu ontem o corpo de Jean Charles de Menezes,
27. Seis dias antes, o eletricista mineiro que vivia em Londres desde
2001 fora morto por um erro da
polícia britânica.
Pelos 70 km (e quase duas horas) de percurso entre o município de pouco mais de 5.700 habitantes no leste de Minas a Governador Valadares, onde o corpo
desembarcou às 10h30 de ontem
de um avião da FAB (Força Aérea
Brasileira), a cena era invariável:
gente aglomerada à beira da estrada, ansiosa para ver passar o carro
do Corpo de Bombeiros que
transportava o caixão lacrado de
Jean, envolto na bandeira do Brasil. Muitos penduraram em suas
casas bandeiras pretas. Alguns
aplaudiam. Outros agitavam folhas de papel branco. E havia os
que apenas observavam, consternados.
Mas, em Gonzaga, o sentimento
ia além do pesar. Numa das muitas faixas espalhadas pela prefeitura e por amigos da família, a
mensagem exprimia revolta: "Inglaterra, terrorismo não se combate com terror".
Jean, que vivia em Londres desde 2001, foi morto no último dia
22 porque policiais que vigiavam
o prédio onde ele morava no bairro de Brixton, na capital britânica,
o tomaram por terrorista suicida.
Temendo que ele se explodisse repentinamente, dispararam à
queima-roupa, dentro de um vagão do metrô, quando o brasileiro
caiu no chão. Sete tiros na cabeça,
um no ombro.
O governo britânico se desculpou por um "erro lamentável",
mas manteve a política de atirar
para matar -adotada após Londres ser palco de ataques suicidas
que mataram 52 pessoas no último dia 7 e de novas tentativas de
atentados que terminaram sem
vítimas duas semanas depois.
"Mártir"
Os habitantes de Gonzaga não
se conformam. "Jean, mártir do
terrorismo inglês", diz outra faixa, esta posta em frente à igreja
matriz, onde ocorreu o velório.
Além das faixas, a cidade foi toda decorada com fitas e balões
verdes, amarelos e brancos para
receber o corpo do eletricista. As
homenagens incluíram a apresentação de uma banda, e o velório estava programado para durar
25 horas -das 14h de ontem até
as 15h de hoje, horário marcado
para o enterro.
A prefeitura decretou ponto facultativo ontem e feriado hoje.
Ônibus vieram da zona rural e de
cidades vizinhas trazendo parentes, amigos e curiosos.
Centenas de pessoas visitaram o
caixão, no qual foi deixada apenas
uma pequena abertura envidraçada pela qual se via somente uma
parte do rosto do eletricista, dos
olhos ao queixo. A fila de visitantes se estendia para fora da igreja,
e ninguém, exceto os parentes,
podia se exceder por mais de alguns segundos.
Punição
A história de Jean atingiu Gonzaga em cheio, especialmente
porque quase um terço dos moradores da cidade, segundo o prefeito, vive no exterior.
O vereador Abel de Menezes,
57, primo do eletricista, conta que
quatro de seus cinco filhos vivem
nos EUA e que o exterior é considerado como destino certo de boa
parte dos jovens da cidade. "Aqui
é assim mesmo", resigna-se. "Não
tem muito o que fazer."
"Jean falava que queria levar para Londres várias pessoas com
quem ele convivia, que iríamos
todos nos reunir em Londres um
dia", afirmava, entre lágrimas,
Kátia Armani, 27.
Prima do eletricista, ela tinha
programado se mudar para o Reino Unido no fim deste ano. "Agora não sei se vou. Tenho medo dos
terroristas tanto quanto da ação
da polícia."
Kátia é irmã de Patrícia Armani,
que dividia o apartamento em
Brixton com Jean e acompanhou
o corpo em seu trajeto para o Brasil junto com os primos Alex,
Alessandro e Vivian, que também
foram para Londres com a ajuda
do eletricista.
Patrícia não sabe quando voltará para o Reino Unido, onde ajuda o primo Alex Pereira a coordenar os contatos da família com
advogados e com as autoridades
britânicas.
Explicações
Segundo Patrícia, a polícia de
Londres ainda deve muitas explicações. "Eles disseram que seguiram Jean porque ele cometeu
uma ação suspeita. Mas nunca
disseram qual."
Outra queixa é que as fitas do
circuito interno da estação do metrô onde Jean foi morto, que podem mostrar se o brasileiro desobedeceu à ordem dos policiais para parar e se ele estava correndo,
nunca foram mostradas.
A família pedirá uma indenização, mas ainda não definiu o valor. "Isso caberá aos pais e ao irmão de Jean decidir. Por enquanto, eles estavam preocupados com
a chegada do corpo", afirma o primo Alex Pereira.
Pereira, que deve voltar em duas
semanas para Londres, diz estar
agindo sob a orientação da célebre advogada britânica Gareth
Peirce, especialista em direitos
humanos ("Não há ninguém no
mundo melhor do que ela").
A principal preocupação no
momento, segundo ele, é que o
policial que atirou em Jean -e
que, segundo o jornal britânico
"The Sun", está gozando de licença remunerada- seja responsabilizado.
"Acima de tudo, vamos buscar
punição. As autoridades britânicas estão nos pedindo desculpas
desde o primeiro dia, mas isso
não adianta. Peço ao [premiê]
Tony Blair que traga ele [o policial] de volta e o ponha na cadeia."
Pereira se tornou o porta-voz da
família. Os pais do eletricista, Matozinhos Otônio e Maria Otônia
de Menezes, têm sido mantidos
sob sedativos e evitam falar com a
imprensa. Dizem apenas que estão "profundamente tristes" e
que, nas palavras do pai, "é difícil
acreditar no que aconteceu".
Os dois vivem na zona rural de
Gonzaga, onde Jean foi criado, e
não têm telefone em casa. Eles
têm apenas mais um filho. Giovani de Menezes, 33, mora em São
Paulo e só chegou a Gonzaga nesta semana. Ele também evita declarações e pede "privacidade"
para a família.
Texto Anterior: Itamaraty se irrita com discussão sobre visto Próximo Texto: Panorâmica - Oriente Médio: Mubarak diz que tentará seu 5º mandato no Egito Índice
|